Depois de vencer resistências de ambos os lados, a telemedicina veio para ficar. Mas oferecer um bom atendimento na área exige mais que um bom aplicativo de videoconferência – é preciso pensar em soluções mais completas, que contemplem  toda a cadeia de saúde

 

A prática da telemedicina talvez seja o maior tabu quebrado em decorrência da pandemia. É difícil quantificar comportamentos, mas a resistência em fazer consultas por uma tela luminosa era realmente muito grande, tanto por parte de pacientes como de profissionais de Saúde. Não que fosse inviável do ponto de vista operacional — tecnologia para isso já existia muito antes de 2020. Porém, diversos fatores pesavam contra, desde a preferência por uma consulta olho no olho até o receio de certos médicos em perder sua reserva de mercado geográfica.

Isso tudo, obviamente, mudou. Em abril de 2021, a Lei da Telemedicina — Lei nº 13.989/2020 — completou um ano de sua implantação no Brasil.“Ainda não existem números oficiais, mas estima-se que até o mês de março foram realizadas cerca de 5 milhões de consultas à distância em todo país”, conta Vitor Magnani, presidente da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O). 

“Com isso, a telemedicina, que chegou por conta da pandemia da Covid-19, rompe barreiras geográficas [um especialista da Região Norte pode atender um paciente da Região Sul, por exemplo] e contribui para a resolução de demandas comuns na área da saúde, como a carência de especialistas e esclarecimento de dúvidas, tudo isso respeitando o distanciamento social”, prossegue Magnani.

“Para muita gente, ‘ir ao médico’ não funciona, seja porque a cidade deles não oferece atendimento naquela especialidade, seja porque o tempo de deslocamento é muito grande… Quem não fez [a mudança] vai ter que fazer”, CEO da Colo Saúde.
O que as clínicas precisam

Como a telemedicina não era uma prática regularizada até março de 2020, muitas empresas de Saúde — clínicas, consultórios e até mesmo grandes hospitais — não se preocupavam em estabelecer uma infraestrutura tecnológica para oferecer o serviço. Na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, por exemplo, a equipe médica já fazia interações mediadas pela tecnologia para a realização de laudos à distância, mas a interação com pacientes em tempo real não fazia parte do modelo de atendimento proposto até então

“Nossa infraestrutura necessitou de adequações, principalmente do ponto de vista de sistemas”, explica Lucas Guimarães, gerente Médico do BP Vital, rede de clínicas e consultórios da BP. O primeiro passo foi contratar uma plataforma que oferecesse consistência e segurança, garantindo a confidencialidade das informações compartilhadas na consulta. “Além disso, realizamos a certificação digital dos médicos que participaram do projeto, garantindo, assim, o envio eletrônico dos receituários e solicitações de exames aos pacientes com uma assinatura digital. Essa assinatura digital viabiliza um atendimento completo, reduzindo a necessidade de deslocamento do paciente até às nossas instalações”.

 

As health techs têm despontado nesse setor por tentar envolver diversos elementos da cadeia da Saúde, indo além dos médicos e chegando também a laboratórios de análises clínicas, clínicas de diagnóstico por imagens, farmácias e centros de terapias complementares.

Ainda que em escala menor, passos semelhantes foram adotados pela Colo Saúde. A empresa, com sede também na capital paulista, nasceu com a finalidade de oferecer atenção domiciliar. Cofundadora e CEO, a médica da família Renata Meiga conta que o interesse em realizar teleconsultas sempre existiu, mas não ganhava corpo pela falta de regulamentação da prática. A pandemia trouxe a tão esperada janela de oportunidade. 

“A Colo Saúde nasceu para atender quem não pode ou não gosta de ir ao hospital, então já tínhamos um desenho para o aspecto médico. Viabilizar a consulta em si foi tranquilo. Tivemos que mudar um pouco nossa estrutura e, para isso, tivemos um trabalho de nossa TI junto com a o desenvolvedor da plataforma. Chegamos a trocar de plataforma até, finalmente, encontrarmos uma já bem estruturada, que atendia às nossas necessidades”, conta Renata.

A médica explica que, inicialmente, os pacientes aceitaram a novidade porque era, efetivamente, a única opção disponível em meio ao confinamento. “Depois, eles foram percebendo que grande parte das resoluções e das consultas podiam ser feitas de forma remota. Retomamos os atendimentos quando a situação permitiu, mas muita gente prefere o teleatendimento. O pessoal se adaptou”, relata.

“Do ponto de vista financeiro, os benefícios são uma redução do custo da operação, com diminuição da ocupação de metro quadrado por consulta atendida e estrutura de recepção, principalmente”, Lucas Guimarães, gerente Médico do BP Vital.

Remédio de uso constante

A Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), entidade que reúne o maior número de healthtechs que utilizam a telemedicina, acredita que esse formato é uma tendência que deve permanecer mesmo com a retomada da segurança sanitária no país. Em uma pesquisa recente realizada pela Capterra, plataforma de busca e comparação de softwares, que ouviu mais de mil pessoas em todo o Brasil, mostrou que 55% dos entrevistados já utilizaram serviços de consulta médica à distância, sendo que 46% deles pretendem seguir utilizando esse modelo, mesmo após o fim da pandemia.

Para se ter uma dimensão disso, fiquemos apenas com um exemplo, o do Hospital Albert Einstein, em SP. A instituição registrou aumento de 1758% nos atendimentos remotos — com uma base de quase 1,6 milhão de usuários de 1,2 mil cidades brasileiras, ela chegou a atender 22,3 mil pessoas de forma remota somente em maio de 2020. 

“Do ponto de vista financeiro, os benefícios são uma redução do custo da operação, com diminuição da ocupação de metro quadrado por consulta atendida e estrutura de recepção, principalmente”, conta Lucas Guimarães, da BP. “A estrutura de back office necessária para sustentar a realização de teleconsultas é bastante robusta”

“A telemedicina rompe barreiras geográficas e contribui para a resolução de demandas comuns na área da saúde, como a carência de especialistas e esclarecimento de dúvidas, tudo isso respeitando o distanciamento social”, Vitor Magnani, presidente da ABO2O.

E, é claro, existem os benefícios para médicos e pacientes. “Pacientes têm acesso a consultas com seus médicos mesmo que residam em outros estados, sem o custo de deslocamento e com a garantia da segurança das informações, utilizando plataformas dedicadas à telemedicina. Para aqueles que residem em um grande centro urbano, como São Paulo, as teleconsultas têm o mesmo benefício de redução da necessidade de deslocamento”, conta Guimarães.

Os exemplos fornecidos mostram que o sucesso da telemedicina não depende apenas de abrir a webcam. Ter a plataforma para poder triar e acompanhar o atendimento faz toda a diferença. Além disso, algumas soluções, como a da BP, viabilizam a compra de medicamentos, mesmo controlados, como antidepressivos ou antibióticos, por meio da consulta realizada no ambiente virtual.

As health techs têm despontado nesse setor por tentar envolver diversos elementos da cadeia da Saúde, indo além dos médicos e chegando também a laboratórios de análises clínicas, clínicas de diagnóstico por imagens, farmácias e centros de terapias complementares. O essencial é apresentar soluções que deem conta da complexidade do atendimento humanizado.

Ainda que novos modelos de trabalho estejam se desenvolvendo rápido, a realidade está longe de apresentar um molde definitivo. Uma coisa, porém, é certa: como muitas transformações causadas pela pandemia, a telemedicina é uma tendência que veio para ficar. 

“Acredito que não tem mais como voltar atrás [na telemedicina]”, afirma Renata Megia. “Principalmente quando falamos de pacientes que se deslocam com frequência por grandes distâncias. Para muita gente, ‘ir ao médico’ não funciona, seja porque a cidade deles não oferece atendimento naquela especialidade, seja porque o tempo de deslocamento é muito grande… Quem não fez [a mudança] vai ter que fazer”, completa.

Toda cura para todo mal?

Não são todas as especialidades médicas que oferecem o atendimento remoto. Atualmente, as modalidades disponíveis são: cardiologia, radiologia, neurologia, pneumologia, psiquiatria, dermatologia, patologia.

Outras áreas de Saúde, como psicologia e fisioterapia, também oferecem teleatendimento regularizado pelas respectivas entidades de classe.


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