O ensino remoto promete se consolidar no mercado e pode até mesmo ser uma ferramenta poderosa na democratização da educação. Porém, escolas e fornecedores de tecnologia precisam trabalhar mais na experiência do estudante

O ensino passou por uma digitalização radical desde que a pandemia começou, tanto que as consequências ainda não foram totalmente compreendidas. Processo parecido aconteceu em outras atividades, como o trabalho e o entretenimento, mas a educação tem suas peculiaridades, tanto técnicas quanto pedagógicas.

Na verdade, os dois aspectos se cruzam. “Quando começou a pandemia e as aulas deixaram de ser presenciais, o primeiro grande entrave foi o cultural, não apenas por parte dos alunos, mas também de alguns professores, que não possuíam afinidade com tecnologia”, lembra Paulo Barreto, diretor de tecnologia da Tyr Technology e professor universitário.

Essa dificuldade foi extensiva para os gestores das instituições de ensino. As escolas acreditavam, em um primeiro momento, que uma câmera na sala de aula e um notebook para o professor seriam suficientes. A realidade provou-se diferente. Hardware, infraestrutura e sistemas entraram, obrigatoriamente, na pauta das escolas. O desenvolvimento de conteúdo, também: afinal, o aluno em aula remota está dividindo sua atenção com diversos outros estímulos, e é preciso criar meios para mantê-lo engajado ao material didático.

“Há um vasto campo para a aplicação de tecnologias como IoT, realidade virtual e aumentada, e Inteligência Artificial na aceleração do processo de digitalização da aprendizagem. Porém, a tecnologia é um dos elementos de transformação e depende de outros fatores”, Daniel Costa, da Impacta.

Para isso, investir em formatos interativos e animações é importante, na avaliação de Maurício Nocêra, sócio-fundador do Studio EAD. Ele também ressalta que um grande diferencial “é ter uma plataforma completa para fazer a gestão dos usuários, analisar progresso, notas, acessos”.

Ainda em relação a sistemas, Mateus Magno, Co-CEO da plataforma de EAD Sambatech, diz que “as instituições de ensino devem se preocupar com a segurança de toda sua propriedade intelectual, investindo em plataformas com DRMs (Digital Rights Management, ou Gestão de Direitos Digitais, na tradução) de qualidade e que possuam um uptime, ou tempo de atividade, de pelo menos 99%. Isso garante que a ferramenta comporte todos os seus alunos online, sem picos ou lentidão durante o uso”.

Do ponto de vista do hardware, as fontes consultadas identificaram uma demanda por bons periféricos, entre eles microfone para captação de áudio do professor e câmeras de qualidade, como diferenciais para instituições de ensino digital.

“No híbrido, abrem-se várias possibilidades. Por exemplo, você tem um aluno que pode estar em casa ou em outro local para acompanhar a atividade. Imagina numa viagem cultural na qual um grupo está fora, e outro na escola”, Armando Tachibana, do Colégio Marupiara.

Explorando possibilidades

O colégio Marupiara (SP) foi um dos que adotou o modelo híbrido de ensino, tendo investido em diversos recursos para aprimorar a experiência. Além de monitores de grandes dimensões nas salas de aula, para que os alunos remotos pudessem interagir com o professor e os colegas presentes em classe, a escola buscou um parceiro para estabelecer uma rede sem fio na qual cada estudante acessa o wi-fi com uma senha própria. Com isso, toda atividade é monitorada, gerando um relatório no caso de acessos indevidos.  

O diretor da escola, Armando Toshiharu Tachibana, lembra que o modelo híbrido de aulas era “um sonho” nos anos 1990, e saúda a mudança, mas acredita que ainda estamos tímidos na exploração desse formato. “No híbrido, abrem-se várias possibilidades. Por exemplo, você tem um aluno que pode estar em casa ou em outro local para acompanhar a atividade. Imagina numa viagem cultural na qual um grupo está fora, e outro na escola. Para fazer sentido, é preciso entender que a escola, o professor e o aluno têm mais ferramentas para o ato de educar e formar”.

 

“Ainda temos um cenário em que muitas pessoas não possuem acesso a dispositivos e internet. Portanto, acreditamos que, mais do que nunca, é necessário um forte incentivo do poder público para que possamos levar conhecimento [educação] para todos os cantos do país”, Mateus Magno, da Sambatech.
É uma visão compartilhada por Daniel Costa, gerente de produto e head de experiência de aprendizagem da Faculdade Impacta. “Embora já possamos observar avanços significativos nos últimos anos, ainda temos um longo caminho a percorrer. Há um vasto campo para a aplicação de tecnologias como IoT, realidade virtual e aumentada, e Inteligência Artificial na aceleração do processo de digitalização da aprendizagem. Porém, a tecnologia é um dos elementos de transformação e depende de outros fatores. As instituições de ensino precisam atualizar suas estratégias educacionais, revendo modelos pedagógicos e metodológicos, e construindo experiências de aprendizagem centradas no aluno”, diz.

Ou seja: mesmo no ensino, o foco na experiência do usuário é determinante. “Se a ferramenta de ensino tiver a usabilidade, o layout e os conceitos com que as pessoas já estão acostumadas nas redes sociais e ferramentas de comunicação, como Telegram e Whatsapp, e mais recentemente as ferramentas de reunião online, elas aprenderão a usar sozinhas”, avalia Paulo Barreto.

“Esse mercado vai continuar em crescimento, pois muitas das empresas que inseriram o e-learning como forma de treinamento durante a pandemia, viram que é uma forma muito efetiva de treinar os colaboradores, com um investimento muito menor, e que traz agilidade e padronização”, Mauricio Nocêra, da Studio EAD.

Tendência sem volta

E quando a pandemia acabar, essa evolução terá razão de continuar seu curso?

Todos os profissionais consultados nesta reportagem acreditam que sim.Maurício Nocêra vê um campo especialmente fértil na educação corporativa. “Esse mercado vai continuar em crescimento, pois muitas das empresas que inseriram o e-learning como forma de treinamento durante a pandemia, viram que é uma forma muito efetiva de treinar os colaboradores, com um investimento muito menor, e que traz agilidade e padronização”, diz.

Um levantamento do Centro de Inovação para Educação Brasileira (Cieb) revelou que a demanda por aplicativos de ensino cresceu 130% no início da pandemia. Além disso, o mesmo estudo aponta um aumento de 23% no número de edtechs (startups de educação) no Brasil. Diante disso, há uma expectativa de crescimento do mercado.

“Se a ferramenta de ensino tiver a usabilidade, o layout e os conceitos com que as pessoas já estão acostumadas nas redes sociais e ferramentas de comunicação, como Telegram e Whatsapp, e mais recentemente as ferramentas de reunião online, elas aprenderão a usar sozinhas”, Paulo Barreto, da Tyr Tecnologia.

Há, porém, um entrave nada desprezível: a grande desigualdade tecnológica do país. Em novembro de 2020, um levantamento do Unicef, o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância, identificou que quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentavam a escola (remota ou presencialmente) no Brasil, enquanto outros 3,7 milhões de estudantes matriculados não conseguiram estudar em casa por impossibilidade de acessar os conteúdos.

“Ainda temos um cenário em que muitas pessoas não possuem acesso a dispositivos e internet que permitam o EAD, principalmente na educação infantil”, diz Mateus Magno, da Sambatech. “Portanto acreditamos que, mais do que nunca, é necessário um forte incentivo do poder público para que possamos levar conhecimento para todos os cantos do país de forma alternativa, indo além dos métodos de ensino tradicionais, podendo tornar a jornada de aprendizagem ainda mais completa”.

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