A tecnologia é uma ferramenta poderosa na hora de favorecer a inclusão de pessoas com deficiência (PcDs) no mercado de trabalho e, quanto mais as empresas souberem aproveitar esse potencial, mais inclusivas elas serão

 

Mais de 24% dos brasileiros  possuem algum tipo de deficiência, segundo dados do Censo IBGE de 2010 – a última edição realizada no país. Estamos falando de cerca de 45 milhões de indivíduos. É razoável supor que, passados mais de dez anos desde esse levantamento, o número seja ainda maior.  A grande questão é: as empresas estão preparadas para incluir essas pessoas em seus quadros de colaboradores?

“Nossa experiência nos mostra que grande parte das empresas ainda enxergam as tecnologias assistivas como um problema e um custo adicional, e não como oportunidade e investimento”, avalia Carolina Ignarra, CEO e fundadora da Talento Incluir, consultoria que, desde 2008,  já incluiu mais de 7 mil profissionais com deficiência no mercado de trabalho.

Hoje já temos tecnologias gratuitas que facilitam muito a vida de pessoas com deficiência, principalmente auditiva e visual”, Carolina Ignarra, da Talento Incluir.

A lei brasileira estabelece regras para a contratação de PcDs. Qualquer empresa que tenha mais de 100 funcionários precisa ter uma parte de seu quadro – que vai de dois a cinco por cento – composta por profissionais com algum tipo de deficiência ou com beneficiários reabilitados. Essa determinação vigora desde julho de 1991, quando se instituiu a Lei Nº 8.213. Mas a realidade corporativa do país está longe de ser inclusiva: um levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) feito em 2020 estima um déficit de cerca de 21 mil vagas para PcDs no mercado de trabalho.

“Na Microsoft, dizemos que ser inclusivo não é convidar para a festa e, sim, chamar pra dançar”, diz Gabriela Magalhães, da Microsoft Brasil.

Carolina atribui esse baixo índice de contratação a um desconhecimento generalizado sobre profissionais com deficiência, mas também à falta de conhecimento e disposição para entender e conhecer o que há disponível no mercado. “Hoje já temos tecnologias gratuitas que facilitam muito a vida de pessoas com deficiência, principalmente auditiva e visual. Porém, ainda é mais fácil não contratar que buscar soluções para incluir esses profissionais, para que eles possam ser ainda mais produtivos e com mais autonomia no dia a dia”, opina.

 

Explorando as tecnologias disponíveis

“Na Microsoft, dizemos que ser inclusivo não é convidar para a festa e, sim, chamar pra dançar”, diz Gabriela Magalhães, executiva de contas e líder do pilar de Acessibilidade da Microsoft Brasil. Isso porque a inclusão não significa aceitar. Trata-se de um processo bem mais amplo.

A jornada começa já na contratação. Neste momento, a empresa vai entender do que ele precisa. “Cada profissional terá uma necessidade específica e a empresa deve oferecer espaço e segurança psicológica para que este profissional possa solicitar a tecnologia assistiva necessária para que seu trabalho seja executado com produtividade”, diz Carolina Ignarra.

O lema das pessoas com deficiência é “nada sobre nós sem nós”. Isso quer dizer que as decisões que envolvem as pessoas com deficiência devem considerar a opinião delas, sem esbarrar em juízos de valor preconceituosos ou em atitudes condescendentes.  E isso é fundamental para entender as necessidades tecnológicas da empresa que contratará esses profissionais.

Carolina aponta que as áreas de tecnologia, compras e facilities devem mapear os recursos de acessibilidade e os fornecedores dessas tecnologias para promover um processo de compras ágil. “Existem inúmeras ferramentas tecnológicas e algumas delas fazem parte de soluções que as empresas já possuem, mas são desconhecidas pela maior parte das pessoas.” 

De fato. Você sabia, por exemplo, que o PowerPoint oferece legendas para as apresentações? Gabriela Magalhães relata que muitas grandes empresas, especialmente do setor bancário e de telefonia e telecomunicações, procuraram a Microsoft desde que a pandemia começou para aprender a usar melhor os recursos que a fabricante oferecia em seus produtos.

 

Os recursos de visualização foram muito requisitados. Temos tutoriais para isso no Youtube que mostram como usar todas essas ferramentas que já estavam disponíveis em nossos produtos.E falamos sempre em acessibilidade porque isso deixa o cenário de inclusão ainda mais amplo, contemplando pessoas com deficiências temporárias”, conta a executiva.

“É preciso lembrar que 70% das deficiências são invisíveis”, diz Gabriela. “Existem as pessoas com deficiência temporária, também. É um cenário maior do que o conhecido pela maioria das pessoas. É preciso estar atento a todas etapas do processo, inclusive para a retenção desses profissionais dentro da empresa”, completa.

Atualmente, 42% dos PcDs têm deficiência visual e apenas 15,3% estão trabalhando formalmente, segundo a Relação Anual de Informações Sociais de 2018 (RAIS), levantada pelo Ministério da Economia. “Certamente, o acesso às ferramentas e soluções facilitaria a contratação e o aumento da empregabilidade desses profissionais. O envolvimento de áreas como TI e Compras é essencial para que este mapeamento seja feito”, aponta Carolina Ignarra

 

Revendo critérios

A Microsoft defende o conceito do Design Inclusivo, que se baseia em três princípios:

  • Reconhecer a exclusão;
  • Resolver para um, estender para muitos;
  • Aprender com a diversidade.

Na prática, isso significa que o desenvolvimento de novas tecnologias precisa considerar as limitações existentes e a melhor maneira de solucioná-las. Quase sempre essa solução se torna um feature que pode beneficiar a um contingente muito maior de usuários.

Gabriela Magalhães relata que as legendas do PowerPoint, por exemplo, mostraram-se muito úteis às pessoas que precisaram assumir o home office em casas ou apartamentos onde havia muito ruído de fundo. Claro que, para tanto, foi necessário explorar recursos que antes eram ignorados.

“É necessária uma transformação da cultura, que só é possível se há transformação da liderança. Nós damos as ferramentas, mas quem vai mudar o ambiente são as pessoas que as usam”, diz Gabriela.

Segundo Carolina Ignarra, o home office pode abrir mais oportunidades de trabalho para as pessoas com deficiência, embora ressalte que a contratação dos profissionais com deficiência apenas no modelo de home office não possa se tornar uma regra. “Este modelo deverá ser oferecido ao profissional PcD assim como para todos os outros”, pondera.

Ela reconhece que o trabalho remoto trouxe várias oportunidades para os profissionais com deficiência que já estavam empregados, principalmente para aqueles que têm mais dificuldade de locomoção. Independentemente da deficiência, a necessidade das tecnologias assistivas se mantém. O que facilita é que as pessoas com deficiência podem se sentir mais confortáveis de usá-las em casa.

“Dois exemplos antagônicos em situação de home office: uma pessoa cega relatou que o uso tecnológico da ferramenta de reuniões ajudou a reconhecer as pessoas da equipe mais facilmente do que em encontros presenciais. Em contrapartida, algumas pessoas surdas e com baixa audição têm relatado que se sentem excluídas em reuniões pela necessidade da leitura labial para total compreensão e muitas pessoas não abrem a câmera para as reuniões”, conta Carolina.

“Mesmo com as exigências das leis, a sociedade nunca teve tantas oportunidades de compreender a dimensão da importância de recursos como Libras, legenda e audiodescrição.  Antes de investir, porém, a empresa precisa entender que, se a barreira atitudinal não for superada, nenhuma outra será. É preciso que as pessoas entendam e queiram realizar e incluir para transformar. Não se faz inclusão sem disposição”, conta a CEO.

 

Palavras que quebram estigmas

Ainda é comum ver expressões inadequadas, carregadas de preconceito ou desinformação, sendo usadas para se referir a pessoas com deficiência. Veja um guia simples para evitar os erros mais comuns – e como corrigi-los:

 

NÃO USEUSE
Deficiente, inválido, doente e excepcional Pessoa com deficiência (ou PcD)
Portador de Síndrome de Down, retardado e portador de retardamento mental Pessoa Síndrome de Down 
Doença genética Condição genética 
Pessoa especial, com necessidades especiais Necessidades específicas 
Trabalhadores com deficiência são melhores, pessoas com Síndrome de Down são anjos, ingênuos e carinhosos Evite estereótipos 
Defeituoso, condenado, erro genético e anomalia Palavras positivas ou neutras 
O risco de ter uma criança com Síndrome de Down A probabilidade / as chances de ter uma criança com Síndrome de Down 

 

Fonte: Talento Incluir