Formar equipes, defender valores éticos (mesmo quando isso pode custar caro) e ser resiliente: para a diretora nacional da Axis Communications, construir uma carreira envolve a união equilibrada de esses três fatores, sempre com o intuito de aproximar pessoas e promover seu crescimento

Alessandra Faria

 

Cara Alessandra de 2030, tudo bem?

Chegou o dia de abrir essa carta. Sei que esperas longas não são exatamente um problema para você – depois de anos se dedicando a planejamento estratégico e formação de pessoas, não acredito que você fique angustiada com prazos longos (risos). Mas pode confessar: você estava um pouco ansiosa para ler essa mensagem, né?

É porque eu escrevi isso quando ainda estávamos em um dos momentos mais duros da pandemia da Covid-19. O impacto foi muito grande, e ninguém saiu ileso disso. Enquanto escrevo, quero acreditar que, quando tivermos superado essa crise, teremos aprendido a olhar para o mundo de uma forma mais calorosa e menos consumista. Que a gente tenha entendido que o resultado é importante, mas que o resultado a qualquer custo é um crime. Que a vida precisa de uma velocidade compatível com nossas emoções.  Nós aprendemos essa lição?

Por mais que eu ame pensar a longo prazo, admito: eu não tinha planejado nada disso quando era mais jovem. Não pensava em nada dessa magnitude. O que eu pensava era em não perder oportunidades.

Eu tenho tentado, aqui em 2021, fazer minha parte para que isso seja uma lição já colocada em prática. Porque as lideranças das empresas precisaram rever tudo que faziam, e ficou claro que não dá mais para ser como era antes. As empresas precisam gerar lucro, sim, mas é preciso respeitar o mundo. A gente aprendeu que pode viver com menos, de uma forma mais simples, mais calma, com espaço e oportunidade para todo mundo. Mas isso só é possível com todos fazendo sua parte.

Você fez a sua, Alessandra de 2030? Você continuou conectando e formando pessoas, desenvolvendo planos para transformar negócios? Você deixou de lado suas ações mais imediatistas e agiu de forma resiliente? Espero que as respostas sejam todas “sim”, porque esse é o legado que eu estou tentando construir, e que precisa de trabalho a longo prazo para se concretizar.

E, para isso, faz bem lembrar do nosso começo – lá em 1987, outro século (risos). Já nessa época, a atitude de ligar pontos, ideias, pessoas, sempre fez muito sentido para nós. No primeiro emprego, saindo do curso de Eletrotécnica (só “nós” de menina, lembra?), aos 17 anos, essa vontade, esse propósito, era dominante. Era um trabalho que permitia que as pessoas pudessem falar umas com as outras – literalmente.

A liderança é um terreno delicado, e podem surgir momentos em que você se vê impelida a agir contra o que acredita. Jamais faça isso.

Foi um emprego na extinta Telesp, consertando pares metálicos de armários telefônicos nas ruas. Eu imagino que no futuro o pessoal mais jovem nem saiba o que é isso, já que a telefonia fixa já era coisa do passado aqui em 2021. Mas enfim, em 1987 era o que havia e foi nessa área em que comecei – perdão, começamos (risos). Mesmo ali, consertando cada par metálico, eu sabia que estava desempenhando uma função que permitia que as pessoas se conectassem. 

Eu sempre fui apaixonada por isso, e nos anos que se seguiram, isso adquiriu outra proporção. Consigo até mesmo ver – mesmo agora, em 2021 – alguns legados deixados por onde passei. E preciso reconhecer, fico bem orgulhosa de uma porção deles. Um dos que mais marcou foi quando, ainda no início dos anos 1990, pude montar uma equipe de pessoas superjovens, que ficou responsável por entregar as grandes licitações da banda A e da banda B da telefonia móvel. Foi um pioneirismo em uma área que transformou a maneira de ver e experimentar o mundo, mas também foi um momento no qual pude identificar talentos e ver muitos deles crescerem ao ponto de ocuparem cargos de liderança em grandes empresas.

Outro marco foi ter ido trabalhar em outro país (Espanha) sem ter conhecimento do idioma e mesmo do mercado, e ter chegado lá com a humildade de falar “eu não sei”, para então aprender tudo que era necessário e entregar resultados. Depois disso, veio a própria Axis – minha “casa” enquanto escrevo essas linhas. Ali, foi outro momento de pioneirismo: começamos um negócio que até então não existia na América do Sul, a segurança eletrônica.

Quatorze anos depois de iniciados nossos trabalhos, temos equipes em quatro países, e vemos o setor ainda em crescimento. Como está esse mercado agora, meu alter ego de 2030?

Se você não fez nada na área de educação ainda, cogite fazer. Você sabe da importância dela.

Por mais que eu ame pensar a longo prazo, admito: eu não tinha planejado nada disso quando era mais jovem. Não pensava em nada dessa magnitude. O que eu pensava era em não perder oportunidades. Acho que nossa geração tinha uma coisa de não ter medo: era estudar, estudar e estudar. E usar isso para a frente. Lembra? Era só nisso que a gente pensava: ir pra frente. Nada nos parava, era uma força de vontade absurda e tínhamos de agarrar cada oportunidade que surgia.

Tínhamos certeza que queríamos aprender e sede de realizar coisas. Depois fomos ficando mais seletivas e, principalmente, mais estrategistas. Só que sem jamais esquecer de onde viemos, das nossas raízes. Não adiantaria nada falar de oportunidade para todo mundo se não for para tratar todas as pessoas com respeito e dignidade. Você não se esqueceu, né? 

Uma coisa que espero que você tenha “esquecido” é aquela preocupação excessiva — e angustiante — de fazer as coisas funcionarem. Porque, você sabe, tem coisas que não estão mesmo sob nosso controle. Planejar é importante, mas é preciso ser mais relaxada com o que a vida trouxer. E jamais tomar ações de curto prazo que possam ir contra seus valores. A liderança é um terreno delicado, e podem surgir momentos em que você se vê impelida a agir contra o que acredita. Jamais faça isso. Lembre também que a  missão de um líder é ouvir e se tornar um servidor para a sua equipe. 

Espero olhar para trás e ver que eu construí mercados e, principalmente, carreiras. Essa coisa de crescer e fazer os outros crescerem é o que mais gosto. Gosto de fazer mentoria e quero ter a certeza de ter contribuído para setores importantes. Então, se você não fez nada na área de educação ainda, cogite fazer. Você sabe da importância dela. E espero olhar ao redor e ver que tenho muitos amigos, pessoas que realmente me conhecem e sabem o que fiz.

Que a gente tenha entendido que o resultado é importante, mas que o resultado a qualquer custo é um crime. Que a vida precisa de uma velocidade compatível com nossas emoções.  Nós aprendemos essa lição?

Pode parecer que eu estou pedindo demais a você, mas na verdade, não. Eu aprendi que o resultado sempre vem. Quase nunca a curto prazo, é verdade, mas se houver persistência, conhecimento adequado e coração aberto, o resultado chega. Para isso, é preciso sempre ter a comunicação transparente e tranquila, deixar que as pessoas entendam o que é proposto para elas, ajudá-las a entender o lugar que ocupam dentro da organização, e trabalhar a resiliência de todos — inclusive a nossa. Feito tudo isso, os bons frutos aparecem. A vida já nos provou isso.

Então, espero que esse legado que eu estou construindo, hoje, tenha chegado até você em 2030 e seja a base para você construir coisas ainda mais bonitas e mais benéficas. Afinal, é para isso que a gente trabalha.

Grande beijo,

 

Alessandra Faria é diretora regional para o Brasil da Axis Communications.

* Em depoimento a Leonardo Vinhas


Leia mais:

Marcos Teixeira e a jornada que precede a conquista

Ariane Dantas e a tecnologia que leva ao “GPS da vida”

Ricardo Bonon e a aversão ao caminho mais cômodo