
Automação e rastreamento na indústria alimentícia
Do cultivo de grãos à entrega no varejo, há soluções tecnológicas para praticamente todas as etapas da produção de alimentos e bebidas – até mesmo dos orgânicos. Porém o setor ainda está em desenvolvimento e desafios e oportunidades se apresentam quase na mesma proporção
Alimentos e bebidas demandam tecnologia para chegar à sua mesa – até mesmo os orgânicos. Produção, logística e controle de qualidade são alguns dos processos em que soluções geridas pela TI fazem grande diferença no resultado final e até mesmo na sustentabilidade. Por mais que ainda exista terreno para essa área se desenvolver, a indústria alimentícia brasileira já tem se mostrado consciente da importância de adotar tais ferramentas.
“O mercado acordou para essas soluções e tem estudado fazer uso delas”, confirma Bernard Arnaud, CEO da Starksat, uma empresa de soluções de monitoramento agrícola. “Uma parte menor dos atores de varejo e produtores de alimentos têm usado essas tecnologias para diferenciar seus produtos, seja por indicação geográfica, seja por marketing de qualidade do alimento e características nutricionais. A indústria alimentícia brasileira tem mostrado um saudável nível de interesse e implementações de projetos que vão desde a fazenda até a prateleira do supermercado”, detalha.

Para Arnaud, parte desse interesse foi acelerado em 2020 por possíveis retaliações de redes varejistas europeias a alimentos que fossem feitos à base de soja, ou carnes que não poderiam vir de abatedouros localizados na Região Amazônica. Empregar soluções de rastreamento e monitoramento era uma forma eficaz de impedir que os alimentos de procedência discutível chegassem ao Velho Continente.
“Essas soluções são extensivas a todas as etapas de produção e processamento dos alimentos, porém o que tem se mostrado mais popular são tecnologias que lidam com alimentos não processados ou de baixo nível de processamento”, prossegue o executivo.
Sim, você pode rastrear uma maçã
Em abril deste ano, a Zebra Technologies divulgou os resultados de seu Estudo de Segurança da Cadeia Alimentar. A pesquisa, que entrevistou um universo de 5.400 consumidores, foi reveladora: 86% dos entrevistados consideram que as empresas do setor desempenham um papel fundamental na implementação de soluções que garantam a segurança alimentar, assim como acreditam que elas têm responsabilidade ética de assegurar o manuseio adequado dos alimentos.
Ainda segundo o mesmo estudo, 82% declararam ser importante saber como sua comida é processada, preparada e manuseada. Outros 79% manifestaram interesse em saber sobre a procedência dos alimentos. Ou seja: além das questões apresentadas por Bernard Arnaud, há ainda um forte desejo do consumidor por maior controle de qualidade e mais transparência na entrega desses produtos.
Todas essas demandas podem ser supridas pela tecnologia. E isso é algo que as empresas levam em conta: no universo de líderes empresariais ouvidos pelo estudo da Zebra, 97% reconhecem que os investimentos em soluções tecnológicas para a rastreabilidade de suas operações proporcionam uma vantagem competitiva, pois os ajudam a atender melhor às expectativas dos consumidores.

“Não é à toa que hoje você vê código de barras nas frutas: o empreendedor brasileiro entendeu a qualidade como essencial. É possível ter rastreabilidade mesmo de um item de custo tão baixo. Isso dá um diferencial de qualidade imenso. No caso de produtos perecíveis, faz uma diferença ainda maior, pois a rastreabilidade garante agilidade e reduz as perdas. É esse controle que faz com que os supermercados tenham reduzido substancialmente o descarte de perecíveis”, diz Vanderlei Ferreira, vice-presidente da Zebra Technologies no Brasil.
Ferreira afirma que as etiquetas RFID podem melhorar a rastreabilidade dos alimentos na cadeia de abastecimento mais do que qualquer outra tecnologia. No entanto, apenas 42% usam essa solução em suas organizações atualmente, segundo o estudo da Zebra. Há etiquetas, que se valem da tecnologia Temptime, que podem sinalizar quando um produto é armazenado fora das condições ideais de temperatura — algo que é de enorme relevância para produtos que são transportados em baixas temperaturas, como carnes, laticínios e congelados.
Outras tecnologias merecem destaque, na avaliação de Bernard Arnaud. “Já temos soluções que conseguem provar a origem química ou a ‘identidade da composição química’ de alimentos, como grãos, frutas e carnes. Há também tecnologias antifraude de origem de alimentos. Outras, ainda, integram blockchain ao seu núcleo e já estão em uso em algumas redes de supermercado do Brasil e do mundo”, diz o CEO.

Transformação digital agrícola
O número de startups de agro passou de 300 para 1.125 em um período de um ano no Brasil. O aumento da oferta confirma o aquecimento do mercado. “Se existe um país onde vai surgir um ou mais unicórnios do agronegócio, esse é o Brasil”, aposta Lucas Tuffi, sócio e diretor comercial e de marketing da Agrotools, uma plataforma digital para o agronegócio.
Entre os motivos para esse terreno próspero, Tuffi cita o fato de o país ser um dos grandes produtores de diversas commodities, assim como um dos principais exportadores. “Além disso, tem o fato da extensão territorial enorme e o número de safras anuais: duas, e indo para a terceira. Outro fator importante é que aqui temos muitos desafios e, por isso, são exigidos mais produtos inovadores.”
Tuffi destaca ainda a escalabilidade das soluções oferecidas pelas agrotechs. No caso da própria Agrotools, eles atendiam apenas grandes empresas até lançarem seu marketplace. “Passamos também a atingir não apenas pequenas e médias empresas, como também as maiores companhias que precisam de um volume menor de informação e análise. Por isso, estamos democratizando e revolucionando esse setor com acesso à tecnologia e à informação”, diz, referindo-se não apenas à sua empresa, mas ao mercado como um todo.
Ele reconhece, porém, que o setor precisa enfrentar um desafio estrutural: a conectividade. “É um entrave, sem dúvida. A maioria das soluções depende dela: ela é indispensável para os sensores, por exemplo, que precisam dela tanto para coletar como para processar a informação. Hoje o produtor está totalmente conectado, mas por meio do seu smartphone. Isso não necessariamente está ligado à conectividade do campo”, explica Tuffi.

Parcerias
A Agrotools desenvolveu um software que funciona offline, e que pode ser instalado no mobile ou tablet. É um meio de contornar a baixa conectividade no campo. Mas outras soluções podem ser encontradas para superar os desafios, e parcerias com fabricantes e outros players do mercado de TI podem ser uma excelente maneira de acelerar seu desenvolvimento.
“Essa parceria é extremamente importante”, frisa Tuffi. “As chamadas Big Techs têm uma capilaridade para distribuição de tecnologia que muitas vezes as agrotechs iniciantes não têm. Além disso, elas têm conhecimento de pesquisa e desenvolvimento e, evidentemente, o poderio financeiro. Tem também a questão da infraestrutura tecnológica, pois boa parte das empresas de tecnologia para o agronegócio utiliza computação em nuvem para armazenar as suas soluções”, diz.
Bernard Arnaud concorda. “Somente ouvindo quem está na lavoura é que as soluções podem ser práticas e ir direto ao ponto. Muitas vezes, o problema que você resolve com um sistema é alijado da realidade, pois o produtor rural faz algum processo próprio e adaptado que substitui qualquer solução que tenha que ser paga. Sempre que ouvimos o produtor, nossa taxa de adesão é mais acelerada e o interesse do produtor é maior, já que ele se sente parte da entrega”, afirma.
Ouvir o produtor pode revelar que até mesmo alimentos mais comumente associados ao processo artesanal podem se beneficiar da tecnologia. “Robôs podem, com movimentos precisos e sequenciais, movimentar um bin de uvas na plataforma de recebimento da vinícola. Assim, um processo que antigamente demoraria um tempo maior, pode ser otimizado, evitando também que falhas humanas, por cansaço e falta de atenção, possam ocorrer no desenvolvimento da ação”, conta Lívia Marques, COO da vinícola Veroni.
Ela ainda cita outras etapas do processo dos vinhos onde a tecnologia é bem-vinda. “Com uma produção automatizada, é possível otimizar o tempo e as falhas, fazendo com que haja um gasto menor. Quanto mais rápido o produto é desenvolvido, mais rápido ele é colocado no mercado para comercialização e, com isso, há um ganho evidente, comercial e financeiro”, conta, referindo-se principalmente aos vinhos jovens, que precisam ser comercializados com maior velocidade.
A prova de que esse mercado está se dedicando a encontrar novas vantagens competitivas na tecnologia é o evento Tecnovitis, uma feira de tecnologia para viticultura. Mas, como essa matéria demonstrou, está longe de ser o único mercado promissor. De energy drinks a alimentos orgânicos, há uma verdadeira “colheita” à espera de quem tiver disposição e condições de oferecer boas soluções.
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