Apesar do cenário desafiador, o setor varejista tem perspectivas de crescimento real. A transformação digital não vai parar e será indispensável nessa expansão, mas, para isso, é preciso entender qual é a melhor maneira de atender esses “novos clientes” cada vez mais exigentes

 

Porque temos um novo consumidor, há um novo varejo se formando. O consumidor digital não é aquele que compra pela internet e, sim, aquele que usa as informações disponíveis online para se informar sobre o que quer adquirir e usa os meios de comunicação digital para interagir com as marcas e empresas. 

Essa é a definição do “superconsumidor” apresentada no livro O Poder da ConveniêncIA – Omnichannel no Atendimento, um estudo de estratégias do varejo escrito conjuntamente pelos consultores Arthur Igreja, Edineudo Oliveira, Edson Figueira, Francisco Pinheiro Neto e Hugo Santos, lançado em dezembro de 2020. Esse novo consumidor tem sido apontado como o principal agente das transformações no varejo.

“Setores como alimentação, esporte, decoração e cosmética continuarão com alta demanda e com resultados positivos. Estão ligados ao bem-estar, muito valorizado pelas pessoas em 2020”, opina Juliana Fernandes, da Angá Estudio

“Por conta não só dos avanços de novas tecnologias que vêm atingindo praticamente toda a cadeia econômica, mas até pela mudança no próprio perfil do consumidor, podemos afirmar que todas as empresas do segmento de varejo, de uma forma ou de outra, vão requerer algum tipo de investimento tecnológico”, afirma Francisco Pinheiro Neto, um dos autores do livro e CEO da Fortics, uma empresa de desenvolvimento de plataformas de atendimento ao cliente.

As mudanças de comportamento do consumidor vão muito além da simples compra online.  “Estamos comprando com meios de pagamento diferentes — o Pix sozinho já é uma baita revolução. Estamos comprando por geolocalização, por cashback, usando pagamento por aproximação… E, principalmente, não compramos mais de uma marca ou de uma loja, mas de um ecossistema”, avalia Alexandre Marquesi, coordenador do curso de Pós-Graduação em E-Commerce da ESPM. Para ele, 2020 vai ser “o” ano.

“Somente de janeiro a agosto de 2020, o faturamento do varejo digital cresceu 56,8% em relação ao mesmo período de 2019 no país”, Pinheiro Neto, da Fortics.

“Há um consumidor com demanda reprimida. Veja que as pessoas estão até quebrando leis e desrespeitando as normas de isolamento por conta desse represamento — estão indo à praia, viajando. Elas estão loucas para consumir, para beber com os amigos, enfim, para gastar”, completa.

 

Projeções e adequações

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgou em janeiro uma estimativa de crescimento de 3,9% no volume de vendas para o varejo restrito e queda de 5,2% no varejo ampliado. O estudo credita o crescimento tímido ao fim do auxílio emergencial, o aumento do desemprego e também da inflação. Em outras palavras, um cenário de crescimento, ainda que tímido, para boa parte dos segmentos, mas com retração para bens que exigem valores maiores, como automóveis e materiais de construção.

“Setores como alimentação, esporte, decoração e cosmética continuarão com alta demanda e com resultados positivos. Estão ligados ao bem-estar, muito valorizado pelas pessoas em 2020”, opina Juliana Fernandes, CEO da Angá Estudio, consultoria de estratégia de negócios e marketing para varejo B2B e B2C.  Em sua avaliação, “é complexo fazer uma previsão para o ano todo”, mas ela estima que o varejo focado nas classes mais baixas será negativamente afetado. “Já o setor de luxo manterá as vendas em alta como em 2020”, completa.

“Quando você vê a tecnologia como o fim, na verdade não está preocupado em atender o seu cliente. É necessário colocar as necessidades dele no centro e somente então desenhar processos”, diz Vinicius Aroeira, do Grupo Super Nosso. (crédito: Edy Fernandes)

Ainda assim, os rumos são, na pior das hipóteses, de estagnação. “Apesar de todas as questões macroeconômicas desfavoráveis, o cenário em geral não é de esperar uma catástrofe, especialmente para o varejo alimentar. É claro que não são expectativas espetaculares, mas estamos longe do pessimismo”, aponta Alex Gasparetto, consultor e palestrante, especialista em varejo e diretor-executivo da Leaf Marketing.

Novamente, as oportunidades residem na mudança de comportamento dos clientes; a pandemia levou boa parte da população a adquirir novos hábitos, que devem se perpetuar em 2021 e até mesmo depois que a segurança sanitária for retomada.

Segundo estudos realizados pela Ebit/Nielsen em parceria com a Elo, somente no primeiro semestre de 2020, o e-commerce brasileiro registrou um crescimento de 47%, alcançando a sua maior alta em 20 anos. “Além disso, somente de janeiro a agosto de 2020, o faturamento do varejo digital cresceu 56,8% em relação ao mesmo período de 2019 no país, ampliando também o número de transações efetuadas, que passaram de 63,4 bilhões nos seis primeiros meses de 2019 para 105,6 bilhões no mesmo período de 2020, conforme dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm)”, enumera Pinheiro Neto. O levantamento da ABComm ainda aponta que mais de 135 mil lojas aderiram às vendas pelo comércio eletrônico somente no primeiro semestre de 2020.

 

Da transformação digital à expansão multicanal

“O novo normal simplesmente derruba as barreiras entre o online e o offline, então, o varejista precisa oferecer experiências novas e superiores às atuais. Vai ter que sair da mesmice”, define Alex Gasparetto, da Leaf Marketing.

“Tanto os pequenos comerciantes como as grandes redes tiveram que se adequar à nova realidade e oferecer outros canais aos consumidores”,  diz Vinícius Aroeira, diretor de processos e tecnologia do Grupo Super Nosso, rede varejista com sede em Belo Horizonte (MG). Na avaliação do executivo, empresas que já tinham uma estratégia digital bem desenhada e em andamento se sobressaíram — e cita o próprio grupo para o qual trabalha como exemplo.

“Nossa transformação já vem acontecendo há muito tempo, é parte da nossa cultura. Nosso e-commerce já tem oito anos e há mais de uma década utilizamos o CRM para o registro de clientes para tratamento one to one. Em 2016, colocamos o carrinho inteligente em nossas lojas, com um tablet acoplado, permitindo interagir com os clientes durante a compra, com ofertas exclusivas e personalizadas. No ano passado, implantamos o LAB Super Nosso, onde os squads trabalham nas etapas do cliente, na logística, no pagamento e na compra”, conta.

Essa experiência digital levou a uma nova jornada do consumidor — da qual ele não está disposto a abrir mão, na avaliação de Alexandre Marquesi. “É óbvio que o varejo físico não vai morrer, mas, agora, ele vai precisar replicar a experiência do online e não o contrário. O conceito do market place já não está só na internet. O consumidor vai atrás do que vai resolver sua necessidade, sem se limitar a uma marca ou loja”.  

Alex Gasparetto concorda e vê possibilidades ainda maiores para a expansão dos negócios.  “O omnichannel precisa acontecer. Vai se bater mais na tecla do autosserviço, nas lojas automatizadas que trabalham na captura de QR Codes e de códigos de barra, onde não exista tanto contato com os produtos. Mas jamais se pode esquecer que o motivo disso tudo é o cliente”, acredita.

Para ele, há quatro elementos que tomarão conta dos avanços no setor:

  • digital acelerado, 
  • lojas repensadas, 
  • experiências UX,
  • captação imediata de dados do consumidor. 

Gasparetto, Aroeira e Marquesi ressaltam que o mercado brasileiro ainda carece de maturidade. “Ao meu ver, só uns três players fazem omnichannel de verdade”, opina Marquesi. Já Gasparetto diz que as ferramentas nunca foram tão bem exploradas quanto agora, mas ainda há muito a fazer. 

“É preciso ir além de self-checkout e leitores óticos”, diz o consultor da Leaf Marketing. “As ferramentas de TI precisam estar em todas as etapas da experiência do consumidor: controles, balança inteligente, etiqueta eletrônica… Existem apps que permitem que você faça compras somente lendo os códigos de barra, sem ter contato físico com o operador de caixa ou mesmo com os produtos. Esse modelo leva ao consequente aumento do ticket médio: a compra passa a ser mais ágil, favorecendo um giro maior de clientes em meus canais”. 

 

Só a tecnologia não basta

“O fim das lojas físicas é uma falácia, não vai acontecer”, afirma Alex Gasparetto. “O novo normal simplesmente derruba as barreiras entre o online e o offline, então, o varejista precisa oferecer experiências novas e superiores às atuais. Vai ter que sair da mesmice”, define.

As oportunidades são muitas, até mesmo pela falta de maturidade no uso das soluções digitais apontadas pelos especialistas ouvidos. Ou seja: as revendas de tecnologia que quiserem expandir seus negócios precisarão também sair do discurso ensaiado do produto e conhecer a fundo o potencial das tecnologias que oferecem, explorando também a integração entre elas.

“Quando você vê a tecnologia como o fim, na verdade, não está preocupado em atender o seu cliente. É necessário colocar as necessidades dele no centro e somente então desenhar processos”, diz Vinicius Aroeira. O Grupo Super Nosso, aliás, oferece modalidades que unem os canais físico e online, como um Sommelier Digital e a opção de retirar nas lojas físicas as compras online.

“Antigamente, o ambiente era mais estável e conseguíamos ver a tendência e fazer nosso planejamento. Mas, falando em inovação e produtos digitais, o Grupo Super Nosso tem feito os ciclos de entregas quinzenais, porque as mudanças estão sendo muito rápidas”, reconhece Aroeira. 

O exemplo da rede mineira explicita o quanto os canais de TI precisam estar atentos às necessidades dos clientes varejistas — e dos consumidores desses clientes. “A transformação digital continuará em franca expansão. Quem não for se atualizando no digital vai ter perdas certas”, resume Gasparetto.