Quais os caminhos da criatividade empreendedora para enfrentar essa nova fase de crise e pandemia? E como a TI pode ajudar a superar os desafios que não dão trégua? Ouvimos pessoas de ambos os lados – consultores de tecnologia e empreendedores dos setores mais afetados – para colher as possíveis respostas

Em março de 2020, quando teve início a pandemia da Covid-19 no Brasil, todas as atividades econômicas foram afetadas. Mas algumas – como cultura, gastronomia, turismo e varejo não-essencial – sofreram impactos mais severos. Para sobreviver, todas tiveram que se reinventar, com maior ou menor grau de sucesso. Independentemente do ramo, a tecnologia foi uma grande viabilizadora dessas transformações.

Tendo como principais “produtos” entretenimento e live marketing, a agência InHaus, liderada por Juliano e Luiz, precisou entender como satisfazer a demanda de seu público num contexto completamente inédito. Feito isso, o grande desafio foi encontrar as tecnologias apropriadas para atender a demanda desse público.

“Em um primeiro momento, tivemos que pensar nos caminhos que poderíamos seguir e viabilizar os investimentos para isso, mas nosso maior desafio foi entender as necessidades tecnológicas para realizar novos projetos”, conta Juliano Libman, um dos proprietários da InHaus, uma agência produtora de eventos e live marketing que tem no currículo vários festivais como Arena Carnaval SP, Sons da Rua, Nômade, Sampa Jazz e outros.

A InHaus escolheu o caminho das lives profissionais (que exigem bem mais que uma webcam), organizaram apresentações em drive-ins, e venderam ingressos antecipados dos eventos que seriam com público presente para poder remunerar a cadeia produtiva atrelada ao universo de shows (conhecida no meio como “pessoal da graxa”): camareiras, roadies, seguranças, iluminadores, técnicos de som e outros.

A internet abre oportunidades para alcançar o mundo, de forma simples e descomplicada, mas pensamos: como os nossos principais produtos, que são entretenimento e live marketing, poderiam se utilizar dessas tecnologias para a captação de novos leads? Então fomos estudar esse território e traçamos objetivos de acordo com as nossas expectativas”, conta Libman.

“Muitos se reinventaram e venceram as dificuldades motivados pela necessidade de faturar, mas muitas empresas são resistentes. Assim, quando temos um ‘alívio’ no isolamento, alguns deixam de avançar no projeto de Omnichannel”, avalia Alexandre Nogueira, CEO da Universidade Marketplaces.

A partir dessa percepção, a Agência InHaus também recorreu à tecnologia para fortalecer sua grade de produtos, desenvolvendo a InHaus Gaming, uma frente 100% voltada para ações publicitárias e criação de conteúdo dentro do universo de games em nosso país. 

O caminho percorrido pela InHaus encontra respaldo na fala de Alexandre Nogueira, consultor oficial do Mercado Livre e CEO da Universidade Marketplaces – plataforma especializada em cursos para esse mercado. “O primeiro passo para atravessar qualquer fase difícil é entender a necessidade do seu público e como você pode ofertar algo diferente. Nesse momento, muitos negócios estão investindo em buscar o cliente de forma mais ativa por meio de anúncios nas redes sociais ou até mesmo ligações, mas a mudança principal envolve flexibilizar e mudar a forma de entregar produtos, com rapidez e comodidade”, diz o especialista.

Saturação digital

Mas e as lives? Elas foram o caminho usado por artistas e agências para sobreviverem nesse novo contexto – algumas monetizadas, outras ligadas a campanhas de contribuição espontânea. Mesmo muitas empresas de setores que nada têm a ver com entretenimento, investiram nelas como forma de se comunicar com seus públicos. Em consequência, isso gerou uma demanda maior em ferramentas de colaboração e também de hardware adequado, como microfones, fones de ouvido, câmeras e placas de áudio e de vídeo. Essa tendência deve se manter?

“No início da pandemia, as lives nas redes sociais pareciam ser um caminho para o mercado de entretenimento, mas o interesse passou. Hoje, o que resta é buscar manter a marca ativa, usando as redes sociais para fomentar a paixão dos usuários até termos uma normalidade”, acredita Almir Neves, fundador da hubkn (startup de inteligência artificial).

“No início da pandemia, as lives nas redes sociais pareciam ser um caminho para o mercado de entretenimento, mas o interesse passou. Hoje, o que resta é buscar manter a marca ativa, usando as redes sociais para fomentar a paixão dos usuários até termos uma normalidade”, Almir Neves, fundador da hubkn.

Isso não quer dizer que o mercado de lives morreu. “Apresentações virtuais com arrecadações para os artistas aconteciam há tempos, a diferença é que quando havia eventos presenciais, gratuitos ou não, a cobrança por shows online não era uma questão muito debatida no mercado. A pandemia deu um novo significado ao cenário dessas apresentações. Acreditamos que houve uma saturação das lives durante o período de quarentena e, junto a isto, nossa sociedade não está habituada a essa nova cultura de dispor financeiramente para consumir conteúdos on demand, mas enxergamos como uma oportunidade em potencial, que a longo prazo será incorporada na vida das pessoas, diz Juliano Libman, antecipando a permanência da tendência, ainda que em menor escala.

O tradicional festival Porão do Rock, de Brasília (DF), realizou sua 23ª edição totalmente online. Seu organizador, Gustavo Sá, acredita que só voltará a realizar uma edição presencial em 2022, mas avalia de forma extremamente positiva a primeira edição digital – que, inclusive, deixou legado.

“Eu me surpreendi com a audiência. Fizemos isso no final de dezembro, nos últimos dez dias do ano, depois de um tsunami de lives. Só que o rock teve poucos eventos expressivos, com um lineup legal e com boa qualidade técnica. Quis levar os artistas para o estúdio, com qualidade técnica, com a infra que o Porão sempre se propõe a ter e com segurança sanitária. É um festival que sempre primou por condições técnicas bem acima da média, por isso foquei nesse aspecto”, conta Sá.

Mais que emular um show, Sá organizou a edição de modo a incorporar elementos de uma grande transmissão televisiva com recursos do digital, como os comentários de jornalistas de diversas localidades e a participação do público. Os resultados já somam mais de 55 mil visualizações – um excelente número para um festival que, quando presencial, mantinha uma audiência que oscilava de 15 mil a 20 mil pagantes.

“Gastamos menos em divulgação, estrutura de palco, quantidade de artistas no lineup. O que você faz com limitações no ‘físico’ pode se tornar um baita evento no digital”, Gustavo Sá, organizador do festival Porão do Rock.

O empresário reconhece que se valeu de um orçamento que corresponde a cerca de 25% do investido nas edições presenciais. “Mas gastamos menos em divulgação, estrutura de palco, quantidade de artistas no lineup. O que você faz com limitações no ‘físico’ pode se tornar um baita evento no digital”, pondera.

A migração para o digital fez Sá estudar novas maneiras de rentabilizar o Porão do Rock. Todas as canções vão ser subidas como vídeos individuais no YouTube, e ele estuda a possibilidade de também transformar esses shows em álbuns para as plataformas de streaming, em um modelo que beneficie tanto os artistas quanto o festival. É o tipo de opção que só se torna possível com aplicação de tecnologia de ponta.

“A Marc Systems, fornecedora de som e luz do Porão, tinha um galpão com toneladas de equipamento. Transformou esse local em um estúdio, fez um set up fantástico para poder gravar a live. Isso virou um negócio tão viável que eles pretendem manter mesmo quando acabar a pandemia”, relata Sá.

“Estamos conseguindo trazer artistas de Cuba, México, lugares que talvez seriam inviáveis logisticamente. Para a gente está sendo positivo, mas dependemos das leis de incentivo. De qualquer maneira, decidimos que esses eventos serão todos gratuitos”, conta Hernan Halák, CEO da Mundo Giras.

Diante da dificuldade de convencer o público a pagar por conteúdo exclusivo, eventos como o Porão do Rock contam basicamente com dois caminhos: patrocínios ou leis de incentivo. Hernán Halák, CEO da produtora cultural Mundo Giras, recorreu a este último para o Mucho!, festival que sua empresa organiza em parceria com a agência Difusa Fronteira. Como Gustavo Sá, ele acredita que o cenário mais viável é que os eventos presenciais só voltem a acontecer em 2022, então procura explorar as vantagens digitais.

“Estamos conseguindo trazer artistas de Cuba, México, lugares que talvez seriam inviáveis logisticamente. Para a gente está sendo positivo, mas dependemos das leis de incentivo. De qualquer maneira, decidimos que esses eventos serão todos gratuitos”, conta Halák. Outro fator positivo identificado pelo empresário é que, no online, o artista consegue interagir e falar direto com o Brasil todo. 

Para que o online funcione, ele acredita que o formato deve ser incorporado à proposta artística. “O festival Mucho! tem uma linha narrativa, uma ideia de integração cultural, e quando você escolhe participar dela, está comprando a ideia toda. Somos poucos os que apostamos nisso, nessa relação latino-americana, e usamos o online como um jeito de trazer, para nosso mercado, os artistas que vêm de outros países latino-americanos”, explica.

“Alguns processos [de venda online] ainda estão defasados [em muitas empresas]… Migrar todos os seus produtos e projetos [para o digital] requer investimento considerável [e] não pode esperar mais ou virá algum concorrente nativo digital e acabará se destacando”, Diogo Guedes, CTO da fintech hygia bank.
O que vem pela frente

No varejo tradicional, mas não essencial, a questão seguiu por caminhos diferentes – e mais padronizados.  “Muitos bares e restaurantes aderiram ao delivery via app e, sendo assim, houve um crescimento ainda maior dessas plataformas. Outros incorporaram vendas pelas redes socais, como Instagram e Facebook, e logo tiveram que se ajustar a essa nova fase”, resume Diogo Guedes, CTO da fintech hygia bank.

Para ele, a rapidez dessa adequação trouxe problemas – e oportunidades.  “Atualmente, muitas empresas querem, de alguma forma, ter seu app nas lojas da Apple e Android. Mas alguns processos ainda estão defasados, porque migrar todos os seus produtos e projetos requer um investimento considerável em tecnologia. Só que não podem esperar mais ou virá algum concorrente nativo digital e acabará se destacando. Isso cria um momento muito bom para quem souber oferecer a tecnologia certa”, diz.

“Muitos se reinventaram e venceram as dificuldades motivados pela necessidade de faturar, mas muitas empresas são resistentes. Assim, quando temos um ‘alívio’ no isolamento, alguns deixam de avançar no projeto de Omnichannel”, avalia Alexandre Nogueira. Para ele, a maioria dos sistemas tradicionais de lojas físicas não estão preparados para vender por meio dos canais online diretamente e quem tem menos capital para investir nas mudanças necessárias estão levando mais tempo para se adequar. “Para muitos lojistas, essa barreira é vencida por meio de um modelo de venda online mais artesanal, sem muita automação e sistemas integrados, o que, ao menos provisória e temporariamente, tem funcionado e não deixa de ser um passo na direção de investimentos mais consistentes na digitalização do negócio. Fazer rápido e barato para depois investir pode funcionar”, completa. Sugestões de logística e warehouse se destacam no horizonte de investimentos que devem ser priorizados. “A entrega rápida faz com que as retiradas nas lojas dos vendedores de marketplaces, ou até mesmo nas lojas dos marketplaces, esteja no topo da lista das tendências”, finaliza.

“Sempre tivemos a vontade de ter uma loja digital e, com o começo da pandemia, vimos que poderia ser a solução para a empresa continuar próxima do cliente e diminuir a lacuna de mercado que se gerou no ramo de bebidas alcoólicas”, Tathiane Dias, da cervejaria Ashby.

A conta fecha?

 O caso da cervejaria Ashby, de Amparo (SP), é exemplar. Embora na ativa desde 1993, só criou sua própria loja online em meio à pandemia.  “Sempre tivemos a vontade de ter uma loja digital e, com o começo da pandemia, vimos que poderia ser a solução para a empresa continuar próxima do cliente e diminuir a lacuna de mercado que se gerou no ramo de bebidas alcoólicas”, conta Tathiane Araújo Dias, coordenadora de TI na empresa. 

Cientes de que o e-commerce se tornou “um caminho sem volta”, a empresa recorreu à experiência de colaboradores que já tinham experiência em criação de e-commerce em empresas anteriores e contratou uma plataforma pronta para montar a operação de venda digital. “Nossa maior dificuldade foi entender a jornada do consumidor e, principalmente, operacionalizar a entrega, uma vez que são bebidas alcoólicas, o produto a ser transportado é frágil e com um custo maior de frete”, afirma Tathiane.

“O aprendizado é constante, para cada vez mais entender o perfil do consumidor que acessa nossa loja online. Já aderimos ao Omnichannel e estamos pensando em ter nosso próprio aplicativo. O começo disso tudo foi desafiador, porém, ao longo desse quase um ano, temos mais pontos positivos que negativos”, diz a coordenadora.

 

Os 10 setores mais impactados

Em setembro de 2020, a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia (Sepec/ME) divulgou, no Diário Oficial da União, a lista dos setores econômicos mais afetados pela pandemia. O cálculo foi feito baseando-se na variação do faturamento do setor, segundo dados da Receita Federal. Também foi considerada a relevância do setor na economia, tanto por valor agregado (VA), quanto por pessoal ocupado (PO).

01) Atividades artísticas, criativas e de espetáculos;

02) Transporte aéreo;

03) Transporte ferroviário e metroferroviário de passageiros;

04) Transporte interestadual e intermunicipal de passageiros;

05) Transporte público urbano;

06) Serviços de alojamento;

07) Serviços de alimentação;

08) Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias;

09) Fabricação de calçados e de artefatos de couro;

10) Comércio de veículos, peças e motocicletas.

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