O COO da Space Time Labs desistiu de estudar medicina para se dedicar à programação, e acabou desenvolvendo uma carreira em gestão e finanças, com muitas surpresas no meio do caminho. Saiba como essa trajetória incomum foi essencial para moldar uma visão igualmente inusitada do que significa “planejar” 

Danny Ng é apaixonado por planejamento. Então talvez você ache estranho que ele diga que alguns dos rumos mais importantes de sua carreira vieram “meio por acaso”. Mas não há contradição alguma. Seu entendimento de “planejamento” é bem diferente – e bem mais interessante – que o do senso comum.  

Danny nasceu em Taubaté (SP) numa família em que a medicina parecia o caminho inevitável: seus dois irmãos se formaram médicos e ele, o caçula, ao tudo indicava, seguiria o mesmo rumo. “Prestei quatro vestibulares para Engenharia e dois para Medicina. Passei em todos, alguns deles entre os primeiros colocados. Então, joguei a moedinha e acabei me decidindo pela engenharia”, conta, divertindo-se com a própria lembrança. Cursou Engenharia da Computação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e acabou conseguindo cursar parte da graduação nos Estados Unidos, na University of New Mexico. Ali, mais uma vez, o acaso deu as caras e fez com que o jovem se tornasse… militar. E de um exército estrangeiro!

As universidades nos Estados Unidos oferecem algumas matérias optativas, e Danny havia escolhido, entre elas, a de Estratégia Militar — havia uma importante base do Exército dos EUA na região e a instituição onde estudava tinha um forte vínculo com ela. “No primeiro dia de aula, me deram um uniforme e, em seguida, me juntei aos demais alunos para preencher alguns formulários. No documento, havia espaço para a assinatura de um major — que era quem estava responsável pela sala — e de um cadete. Deixei esse espaço em branco e, só mais tarde, me dei conta que o cadete era eu”, conta.

Sem ter estudado tecnicamente computação, eu não conseguiria organizar o trabalho de planejamento e gestão. E, sem a visão de negócios da consultoria, não conseguiria tomar decisões no mundo tecnológico visando o cliente final. Misturando tudo isso, acabei me tornando um profissional mais completo

No caso desta universidade, optar por uma disciplina militar implicava em adesão ao Exército. Ser estrangeiro não era um problema — na verdade, ele poderia ter engajado e seguido carreira, se quisesse. Mas não foi o caso. “Eu gostei de entender como funciona o exército norte-americano. Eles têm um modelo de negócio próprio, são uma empresa que visa lucro, com diversas frentes de pesquisa. Mas entendi também que aquilo não era para a minha vida. O mundo tech, em que vivo hoje, não tem essa hierarquização do mundo militar: o estagiário convive com o CEO, numa boa. Essa é uma das grandes razões para eu não ter ficado lá”, explica.

Uma carreira (em e) além da TI

De volta ao Brasil, Danny se deu conta de que, apesar de programar desde os nove anos de idade, não queria passar o resto da vida fazendo isso. Começou a procurar outras opções, porque, em suas palavras, “a grande vantagem de fazer engenharia é que você serve para várias coisas”. Até que o acaso deu uma mãozinha novamente.

“Um dia, estava na Unicamp e passei na frente de um auditório, onde um ex-veterano do meu curso dava uma palestra. O tema era consultoria e eu nem sabia o que era isso na época! Conforme ele foi explicando, fui me interessando bastante.” A palestra também tinha fins de recrutamento e incluía a realização de uma breve prova. Danny teve um ótimo desempenho e continuou no processo. Estudou sobre fusões, aquisições, valuation, pricing e outros assuntos do mundo da consultoria. Fez outras avaliações, muitas delas baseadas em estudos de caso. Assim, ingressou na Oliver Wyman. Ficou lá por quase quatro anos e, a partir dessa experiência, teria muitas outras como consulto, inclusive na estruturação da clínica dos irmãos médicos.

“A beleza do planejamento não está em adivinhar o futuro. Isso é vidência. Planejamento é lidar com todas as incertezas. É não saber onde vai estar, mas estar ciente que tem todo o arcabouço de planejamento para lidar com todas os percalços e escolher o melhor caminho”

“Não foi nada superplanejado”, reconhece Danny. “Por muito tempo, tive essa dúvida de como teria sido se eu tivesse feito Medicina, mas a gente nunca sabe como seriam os outros caminhos. Os cinco anos de faculdade me cansaram da computação, mas meu primeiro projeto na Oliver Wyman foi justamente em análise de dados e ensaio de modelos matemático-estatísticos”. Ele é o primeiro a admitir que seus conhecimentos em programação o ajudaram muito. “Era uma base de dados gigantesca e não cabia usar Excell ou Access, que eram os softwares mais usados na época. Eu recorri ao SAS, ferramenta de análise estatística. Meu primeiro ano de carreira foi análise de BigData, que estava iniciando no Brasil. Foi quando fiz os primeiros modelos preditivos de rentabilização segmentada do país, diz.

Inteligência (nada) artificial

Nos anos seguintes, foi tornando-se cada vez gestor e menos analista. Chegou a cogerenciar o programa de Customer Experience da Uber, envolveu-se com o universo financeiro e, hoje, é COO (Chief Operations Officer) da SpaceTime Labs, uma empresa que usa inteligência artificial e aprendizado de máquina para desenvolver soluções para problemas complexos na gestão de recursos naturais e na agricultura. Como tal, Danny comanda operações internas (gerindo as equipes de desenvolvimento de software) e externas (com uso de veículos aéreos não tripulados e robôs), além de ser responsável por finanças operacionais, recrutamento, gestão de talento e alocação de recursos humanos. “Só não cuido do contábil”, diz.

“Prestei quatro vestibulares para Engenharia e dois para Medicina. Passei em todos, alguns deles entre os primeiros colocados. Então, joguei a moedinha e acabei me decidindo pela engenharia”, Danny Ng.

“Eu quero crer que a agricultura vai mudar totalmente, tornando-se superdigitalizada. Em vez de tratar hectares inteiros, vai ser planta a planta, usando microbioma para controle de pragas, doenças e plantas daninhas, em vez de inseticidas, pesticidas e herbicidas. Tudo isso com mais eficiência tecnológica. Essa é a minha pegada e a da Space Time também: usar a tecnologia para um bem maior”, afirma. Algo extensivo também à gestão de pessoas, já que, como bem lembra Danny, “ciências exatas são construídas por humanos e a gente precisa ter isso sempre em vista”.

Olhando retrospectivamente, Danny sente-se orgulhoso das escolhas e das realizações. Acredita que todas as etapas, até as que pareciam inicialmente aleatórias, foram essenciais para construir o profissional que ele é hoje. “Sem ter estudado tecnicamente computação, eu não conseguiria organizar o trabalho de planejamento e gestão. E, sem a visão de negócios da consultoria, não conseguiria tomar decisões no mundo tecnológico visando o cliente final. Misturando tudo isso, acabei me tornando um profissional mais completo”, avalia.

E é aí que sua paixão pelo planejamento se abraça com seus encontros com o acaso. “Acho que sempre fui um cara de planejamento. Mas, se tivessem me perguntado, em diferentes momentos do meu passado, onde eu achava que estaria em cinco anos, eu iria errar todas as vezes”, ri. “A beleza do planejamento não está em adivinhar o futuro. Isso é vidência. Planejamento é lidar com todas as incertezas. É não saber onde vai estar, mas estar ciente que tem todo o arcabouço de planejamento para lidar com todas os percalços e escolher o melhor caminho”.

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