O mercado de revendas de TI nem sempre adota as práticas que oferece aos clientes – e perde muito com isso. Já passou da hora de as revendas adotarem, elas mesmas, o modelo de dados para prospectar e gerenciar seus clientes

Será que o ditado “casa de ferreiro, espeto de pau” vale para canais e revendas de TI? A resposta, infelizmente, parece ser afirmativa, especialmente quando se trata do uso de dados para aprimorar as operações do negócio. 

Nos últimos anos, os modelos de dados e toda a tecnologia a eles relacionada (soluções de inteligência artificial e aprendizado de máquina, além de toda a infraestrutura necessária) têm sido parte crucial na oferta das revendas aos seus clientes. Mas parece que todo o potencial citado nos argumentos de venda segue inexplorado pelos próprios vendedores.

“Acredito fortemente que, a cada dia, as revendas de TI têm usado suas próprias plataformas para validação, testes e, de fato, melhorar seu negócio”, diz Sérgio Bueno, da Ótimo Gestor

Durante a apuração desta reportagem, buscamos várias revendas e consultores. Do lado dos primeiros, ninguém quis sequer confirmar se usa estruturas de dados no gerenciamento e prospecção. Do lado do consultor, os profissionais ouvidos disseram que “vai ser difícil encontrar alguém que faça isso”. Mas por que isso acontece?

“Porque a tecnologia pode ser a mesma, mas a solução para o negócio, não”, responde Fellipe Guimarães, CEO da Codeby, uma empresa especializada em soluções de e-commerce. “Tecnologias não são a solução, mas, sim, as ferramentas para se chegar à solução. Cada negócio tem suas próprias regras e dados são informações confidenciais que cada um pode usar de uma forma”, diz. 

Em outras palavras, não é porque uma empresa é expert em diagnosticar problemas num cliente e indicar as melhores formas de solucioná-los, que ela tem a mesma capacidade de usar a tecnologia para solucionar seus próprios problemas. Isso, contudo, não quer dizer que não possa aprender.

Sérgio Bueno, CEO da Ótimo Gestor (desenvolvedora de sistemas de gestão para locação de equipamentos), acredita que o mercado de TI está incorporando parte das soluções que oferta. “Acredito fortemente que, a cada dia, as revendas de TI têm usado suas próprias plataformas para validação, testes e, de fato, melhorar seu negócio”, diz o executivo.

Parte do mercado de TI brasileiro ainda está muito preso a modelos de negócios do passado e é hora de as empresas serem mais disruptivas, apostando em novas tecnologias que estão disponíveis em plataforma de cloud. 

Bueno cita o caso de sua própria empresa, que vende um sistema ERP para os mercados rental e de serviços, bem como uma plataforma de e-Rental para locação via web. “Tudo isso é 100% aproveitado, validado e usado para nosso uso e estrutura, testado e aprovado inicialmente dentro de nossa empresa e, assim, levamos para o mercado aquilo que praticamos”, explica.

Mudança gradual

Dados são matéria-prima para inteligência de mercado. Sem essa inteligência, de nada servem. Desprezar seu uso, seja por não coletá-los ou por faltar especialização ao tratá-los, é jogar fora um recurso valioso. Na verdade, no momento hipercompetitivo em que o mercado vive, é como descartar água em pleno deserto. Mas, apesar de tão preciosos, há muito desperdício de dados. Por quê?

Para Fellipe Guimarães, há dificuldades para conseguir fazer o investimento necessário, além de haver um desafio constante na hora de montar bons times ou achar bons fornecedores. “Hoje, todo mundo diz trabalhar com IA, mas a grande maioria faz menos da metade do trabalho. E, vale sempre lembrar: quanto mais dados você possui, mais segura precisa ser sua corporação e mais treinamento você terá de prover”.

“Tecnologias não são a solução, mas, sim, as ferramentas para se chegar à solução. Cada negócio tem suas próprias regras e dados são informações confidenciais que cada um pode usar de uma forma”, diz Felipe Guimarães, da Codeby

“Acho que falta maior conhecimento dos negócios e do cliente”, diz Sergio Bueno. “É preciso saber o que de fato traz lucro, rentabilidade e novas oportunidades para o negócio. Dados não estruturados não servem para nada. É necessário ter visão 360º do ambiente e do cliente, e o uso de inteligência artificial e machine learning podem apoiar muito nessa estruturação”.

Para o executivo, parte do mercado de TI brasileiro ainda está muito preso a modelos de negócios do passado, e é hora de as empresas serem mais disruptivas, apostando em novas tecnologias que estão disponíveis em plataforma de cloud, como a Big Cloud da Google, ou em ferramentas de gestão empresarial focadas nos negócios. 

Na visão de ambos os executivos, essa transformação está acontecendo, ainda que lentamente. E a velocidade baixa é explicável, já que essa é uma mudança essencialmente cultural.“Mas vejo que mesmo os pequenos estão buscando parcerias que lhes apoiem, para serem mais rápidos e conquistar novas oportunidades”, avalia Sergio Bueno.

Claro, não é simplesmente o caso de uma empresa de TI investir em mais canais só porque outros setores estão fazendo o mesmo. Como bem coloca Fellipe Guimarães: “vejo a migração para o online todos os dias, mas modelos de negócio são baseados em teses que envolvem clientes, parcerias-chave, dores a serem resolvidas, modelo de cobrança, times, equipamentos e muitos outros fatores. A evolução dos modelos de negócio vai depender do que ela deseja atingir. Tudo depende do plano de negócio”.

O fato é que as revendas de TI têm acesso privilegiado à tecnologia que comercializam e dispõem de acesso a fabricantes e a profissionais de renome do mercado, o que também pode (e deve) ser aproveitado no próprio negócio. Deixar esse potencial adormecido não favorece ninguém e pode, até mesmo, provocar o retrocesso do mercado.

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