O CIO do Hospital Infantil Sabará não acredita em “contos de fada corporativos”, e se dedica a estruturar um trabalho em que a TI não apenas agregue valor ao negócio, mas ao caráter de pessoas e organizações

“Conhecer as dores do negócio”, “resolver os problemas de negócios”, “ter soluções alinhadas com a estratégia do negócio”. Se você é um profissional de TI, deve ter lido e ouvido essas e outras expressões com frequência nos últimos meses. A trajetória de Klaiton Simão, CIO do Hospital Infantil Sabará e Diretor de Conteúdo na ABCIS (Associação Brasileira de CIOs de Saúde) é uma prova de que essa atitude de envolvimento profundo com o business traz resultados. Mas também comprova o quanto é necessário que isso venha com comprometimento, e não apenas com um discurso ensaiado.

Não à toa, ele se define como “um gestor de saúde especializado em tecnologia da informação”. Sua trajetória tem traços em comum com outros profissionais que iniciaram a carreira na década de 1980: o espírito autodidata, a atuação em cargos que hoje já não existem mais (digitador, scheduler, DBA), o apreço pelos eletrônicos e pelos primeiros computadores pessoais. Porém, havia uma diferença importante.

“Meu pai era um redator publicitário, filho de um professor de línguas, então precisei batalhar muito para conseguir estudar o que eu queria”, conta. O pai ficou “chocado” com a escolha do filho. No fim, a persistência e os argumentos de Klaiton venceram, e ele se dedicou a um “curso de computação” – já que a oferta de ensino superior na área era ínfima na época. As ciências humanas, porém, voltariam mais tarde, e se integrariam à sua carreira tecnológica. 

Guinada estratégica

Em 1998, com 30 anos, Klaiton se viu diante de uma inflexão que talvez ainda seja comum para quem está na TI: ou iniciava uma trajetória de reciclagem profissional – o caminho seguido por quem é de perfil técnico – ou enveredava pela gestão. “Eu era esse cara técnico, que trabalhava com camadas de desenvolvimento de software, passando por banco de dados e infraestrutura. Porém, comecei a perceber que aquilo que eu dominava estava sendo substituído pelas graphic user interfaces. Diante disso, eu teria que aprender tudo de novo, ou então me especializar em um segmento de business, para atuar com suporte ao negócio”, lembra.

Ele, então, escolheu o segundo caminho. Aceitou uma proposta para assumir um cargo de gestão no Hospital Sepaco. “Entrei no setor de Saúde meio por acaso, e ali eu me achei. A indústria que eu procurava estava diante de mim”, conta. E tamanho foi seu envolvimento que, alguns anos depois, graduou-se em Gestão Hospitalar. Passaria ainda por outras instituições de Saúde, sempre em cargos de liderança,  até chegar ao Hospital Sabará.

“É muito complicado falar em entregar soluções aderentes ao negócio se o profissional não entende o que é o negócio”,  diz Klaiton. “Quem está começando hoje na carreira de tecnologia não tem muito clara a importância de conhecer um segmento de negócio, e talvez não seja mandatório no estágio inicial. Mas para continuar a corrida, eu não vejo outra maneira”, avalia.

Conhecer para transformar

Especialmente na Saúde Suplementar, que responde pela maior porção do PIB do setor, os desafios são complexos. “É um ambiente de negócios extremamente árido e ineficaz. E com o perdão da expressão, um tanto burro, por privilegiar o tratamento da doença em detrimento da prevenção”, avalia.

Crítico dos modelos de remuneração, Klaiton atrela o uso mais adequado de tecnologia na Saúde a uma nova visão, que privilegie o pagamento por resultados. “Em geral, esses modelos seguem uma lógica que permite ter maior faturamento quanto maior for o tempo em que o paciente permanecer doente. Há tempos se busca remunerar os profissionais pela qualidade do desfecho clínico, e não pela quantidade de visitas que eles fazem ao consultório ou laboratório, mas há muita resistência a isso”, diz. “Quando esse desafio for superado, vamos dar saltos muito maiores em relação à incorporação tecnológica, que hoje acontece, mas é praticamente intramuros.” 

Paralelo aos desafios globais do setor, Klaiton conduz um processo de transformação digital no Hospital Infantil Sabará. “Submeti à alta gestão um plano diretor de TI com horizonte de três anos, e o primeiro deles terminou agora no começo de julho. Foi um ano essencialmente estruturante. Parece óbvio, mas  não posso falar de machine learning se minha estrutura não está adequada, se a equipe não tem a quantidade e o perfil adequados aos desafios, e se não tenho processos informatizados que garantam uma geração íntegra, adequada e completa de dados. Essa é a base da pirâmide: se eu não tenho dado, não existe jornada digital”.

Concluída essa etapa, vem a fase 2 do PDTI, que Klaiton chama de “sofisticação funcional”. Isso significa partir da base de infraestrutura, pessoas e processos, e extrair dela o que pode agregar valor ao negócio. No terceiro ano, o objetivo é o hospital digital propriamente dito, com uma mentalidade efetivamente data driven, inteligente, “em que o achismo não tem lugar, e em que recursos sofisticados de tecnologia são selecionados a partir de uma visão estratégica de negócio. Isso é importante, porque o cardápio de inovações é tão grande que o risco de se perder é enorme”. 

Uma jornada ética

Há pouco mais de três anos, Klaiton Simão se matriculou em mais uma graduação. A cadeira escolhida foi Filosofia. “Foi tão enriquecedor quanto eu imaginava que seria”, celebra.  A escolha, que um desavisado poderia entender como dissociada de sua carreira, teve propósitos bem claros.

“A filosofia é a mãe de todas as ciências, e coloca na mesa dilemas humanos que a tecnologia não resolve. Pelo contrário, a tecnologia demanda um direcionamento. Quando a gente acelera a incorporação de tecnologia em uma organização, seja ela qual for, cada vez mais se tornam necessários vetores de ética, comportamento e aspirações. Esses vetores a tecnologia nunca vai dar”, explica.

Para Klaiton, é como se a tecnologia “perguntasse” às pessoas: “e agora, humanidade, o que fazer com isso que estou oferecendo?” A resposta é, inequivocamente, a filosofia. “O mundo está se tornando mais digital, e a gente constata com tristeza que 90% do que se faz hoje com os recursos tecnológicos não tem os mais nobres objetivos. O casamento entre a visão filosófica conceitual sobre a natureza humana e as aspirações humanas precisa interferir mais na tecnologia para que ela se reverta em benefício da humanidade. Senão, a gente vai despersonalizar o ente humano em detrimento da tecnologia, e vai viver frustrado. O que é mais ou menos o que está acontecendo”, finaliza.

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