Se muitos dos entraves mais comuns às empresas podem ser eliminados com soluções tecnológicas existentes, por que eles ainda perduram? Veja como podemos mudar esse cenário

A lista de gargalos de operação mais comuns entre as empresas brasileiras é grande: vai de fluxos logísticos a rotinas financeiras, passando pela gestão global de processos até procedimentos de recursos humanos. O curioso é que a maior parte desses obstáculos encontra resolução em tecnologias seguras, viáveis e flexíveis, mas que, muitas vezes, não são aplicadas.

Mas se temos solução para todos os tipos de problemas, por que eles persistem?

Nazaré e seu olhar desconfiado

Essa é uma pergunta para os especialistas e foi exatamente ela que fizemos para Ricardo Stucchi, sócio-consultor da Lozinsky Consultoria de Negócios, que observa no dia a dia de conselheiro a repetição de dois cenários mais frequentes:

  • a empresa até tem ferramentas para solucionar esses gargalos, mas elas estão defasadas;
  • faltam soluções de service desk adequadas às melhores práticas da gestão de serviços de TI.

Na percepção do consultor, as empresas, de modo geral, têm uma visão muito fraca de orientação de processos e raramente adotam uma ferramenta para a gestão deles. “Se você tem uma gestão de processos e de indicadores voltada ao negócio, consegue encontrar uma gama enorme de soluções para realizá-la de forma eficiente. Porém, se não tiver, fica dependente de recursos arcaicos, como troca de e-mails ou uma dependência excessiva da gestão de pessoas. Em casos assim, a mentalidade é a de resolver questões pontuais e não a de olhar a empresa como um todo”, diz Stucchi.

É consenso entre especialistas do setor que a pandemia do coronavírus expôs as fragilidades da TI na mesma proporção que explicitou seu potencial. Na defesa desse ponto de vista, está Lísias Lauretti, conselheiro de transformação digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-CIO de empresas como JP Morgan Chase, TecBan e Serasa Experian, entre outras. Ele acredita que o mercado está aprendendo “do pior jeito possível” a sobreviver.

A mudança foi tão brusca [na pandemia] que, se os líderes não virarem essa chave sobre a transformação digital, não vão conseguir prosseguir [com seus negócios].

Autoimpedimentos

E por que é tão difícil virar essa chave? A explicação pode ter variações entre os especialistas, mas ao menos uma coisa é certa: ela passa justa e necessariamente pela gestão de TI.

“A questão financeira sempre influencia na aquisição de tecnologias, mas o fato é que, em muitas empresas, a TI faz um papel muito tímido de levar propostas de solução para os negócios. Ela se acomoda na questão orçamentária, sem perceber que a nova solução pode gerar dinheiro, em vez de ser simplesmente um gasto”, avalia Stucchi.

Confira o vídeo e entenda por que é importante ir além da questão orçamentária na TI

O consultor explica que, por estarem ocupadas com seus desafios do dia a dia, as áreas de negócios não têm o viés ou o expertise necessário para procurar novas tecnologias e, por isso, esperam que a TI tenha essa iniciativa. “Muitas vezes, falta, dentro das empresas, quem assuma esse papel de alavancar as tecnologias que podem melhorar o negócio”.

Lauretti vê um problema adicional: os processos de transformação digital são lançados sem que haja um time dedicado a geri-los nas empresas. “Sem essas equipes, cada um fica ocupado com sua rotina e as mudanças acontecem de forma parcial e ineficaz ou, simplesmente, não acontecem”, afirma o especialista.

Outra situação comum é a de empresas de médio porte que usam soluções que, na verdade, são mais adequadas às de pequeno porte.

Quando isso acontece, é porque a organização cresceu muito e não se atualizou, seja por falta de planejamento ou por crer que está fazendo uma economia financeira — quando, na verdade, está criando uma âncora para ela mesma”, avalia Ricardo Stucchi.

Antes da mudança, a educação

Se as soluções existem, mas o gestor de tecnologia não as conhece, a “culpa” por isso nem sempre é dele. A questão é mais complexa e passa pela incapacidade, tanto da própria TI como das demais áreas da empresa, de enxergá-la como estratégica para o negócio e não apenas como uma área de suporte técnico. O resultado dessa mentalidade corporativa costuma ser um certo desânimo de alguns dos profissionais de TI para convencer a direção da empresa a inovar.

Dinheiro parece não ser o problema. Em 2019, 71% dos CIOs das 500 maiores empresas brasileiras acreditavam que, em 2020, conseguiriam manter ou aumentar o nível de investimentos que suas empresas aportariam em tecnologia, segundo o estudo “Antes da TI, a estratégia”, realizado pela IT Mídia. A pandemia provavelmente alterou esse quadro, mas ainda não é possível saber se positiva ou negativamente. De qualquer maneira, dessas informações, é possível depreender que o problema de adotar novas soluções não tem relação com a falta de recursos financeiros.

Acredito que os fornecedores deveriam fazer as perguntas certas para os gerentes e diretores de TI, para auxiliá-los a entender quais são as dores do negócio, para mostrar que a solução que o fornecedor quer oferecer se paga e vai realmente funcionar.

É importante entender como funciona o processo decisório para a aquisição de novas tecnologias nessas empresas. Segundo a primeira edição do estudo “Jornada do CIO — da realização pessoal à transformação de negócios”, realizado pela Lozinsky Consultoria com líderes de TI das maiores empresas do país, os modelos variam:

Como é decidida a aquisição de uma nova tecnologia nas empresas

Como é decidida a aquisição de uma nova tecnologia nas empresas

Para Stucchi, a cadeia de fornecedores deve entender essa dinâmica e ter um papel mais pró-ativo na mudança de mentalidade das gestões da TI: “Muitos fornecedores abordam a área de tecnologia trazendo justamente essa visão da despesa, do gasto, da novidade e não oferecem nada que ajude a própria TI a levar os benefícios dessas soluções para o negócio. Esse é um papel que ela deveria realizar melhor”.

O consultor relata que há casos em que os fornecedores ignoram a TI e oferecem suas soluções diretamente para as áreas de negócio – o que configura a chamada (e pouco bem-vinda) “shadow IT”. Ainda que a venda se concretize em algumas ocasiões, essa atitude gera um cenário que está longe de ser o ideal. “Quando se desenrola dessa forma, a TI entra a reboque, em vez de ser quem puxa o assunto. Isso queima uma relação com a área que vai ser parceira na implementação e operacionalização dessa tecnologia”.

No fim, cabe aos fornecedores – por que não? – começar a mostrar para o líder de TI como ter esse papel mais estratégico no negócio. Só então qualquer argumento sobre tendências de investimento em tecnologia terá uma base fundamentada, capaz de criar um vínculo fértil e longevo entre fornecedor e comprador.