por Leonardo Vinhas

 

Nos últimos 10 anos, o fundador e CEO da 7IT teve que superar uma quebra financeira e a obesidade mórbida, mas conseguiu reestruturar a empresa, a saúde e a própria vida a partir de estudo, dedicação e completa ausência de condescendência consigo próprio

 

“Hoje eu vejo empresas de tecnologia que sofrem muito no meio do percurso, porque os gestores não entendem de recursos humanos, comercial, gestão financeira”, diz Cícero Protta. A observação não é gratuita nem leviana: é dita por quem começou a trabalhar com TI ainda na adolescência, e foi de técnico em computadores, empregado por empresas pequenas, a CEO da empresa que fundou em 2010, a 7IT Tecnologia e Nuvem, com sede em Tatuí (SP), que entrega soluções de armazenamento, datacenter, produtividade e acesso remoto em conjunto com soluções de segurança da informação.

Além disso, Protta foi convidado por três anos consecutivos (2019, 2020 e 2021) para integrar o PAC (Partner Adivsory Council), um conselho restrito de parceiros da Microsoft, escolhido pela fabricante de tecnologia para discutir e propor inovações nas soluções da empresa. Porém, para chegar a tanto, o empresário teve que ir muito além da condição de técnico especializado — e também superar várias agruras profissionais e pessoais.

“Com frequência me perguntam se não me cobro demais, se ‘preciso’ ser assim. E respondo que essa é a essência que está no meu coração.”

Protta começou sua carreira aos 15 anos. Havia concluído um curso de Tecnologia de Informação no Senac — ou o que antes era conhecido como “Técnico em Informática” — e fazia serviços como formatação de computadores. Seu pai tinha uma empresa farmacêutica que, na época, estava em franca expansão e o convocou para trabalhar ali — longe dos computadores.

“Foi algo bem complicado. Logo vi que aquele mundo estava bem longe do caminho que eu queria trilhar. Meu pai insistia para que eu ficasse na empresa, mas eu queria tratar minha própria trajetória.”, conta Protta. O impasse escalou a tal ponto que, aos 16 anos, Protta deixou a casa paterna.

Protta seguiu trabalhando como técnico de informática e logo começou a perceber que aquele mercado ainda incipiente, mambembe, no qual técnicos davam suporte em domicílio instalando softwares piratas, teria que mudar. “Embora eu estivesse trabalhando bastante, vi que, para me posicionar como profissional, eu tinha que dar um passo pra trás. Precisava parar de fazer as coisas sem conformidade e ir para as coisas corretas”, relembra.

Já adulto, ele trabalhava como técnico em uma empresa local quando chegou um cliente pedindo a instalação de uma rede bem mais estruturada do que aquelas que a empresa costumava implantar. “Ele chegou para a equipe e perguntou quem sabia fazer o serviço. Ficou um silêncio constrangedor por um bom tempo, até que eu disse: ‘eu sei fazer’”.

“Eu faturava 70, 80 mil reais por mês, e em quatro meses estava com quase 200 mil de dívida […] Quebrei por incompetência administrativa”.

Ele recorda: “Eu já tinha estudado aquilo que ele pedia, mas nunca tinha metido a mão na massa. Revi meus estudos e fui à empresa do cliente. Varei a noite trabalhando, consegui implantar a rede, meu patrão falou ‘muito obrigado’ e ficou por isso mesmo”. Porém, o esforço não passou despercebido pelo cliente.

Quatro meses mais tarde, Protta pediu demissão: “havia muitos processos com os quais eu não concordava” e, em questão de horas, foi convidado para ser administrador de redes da MR Securitizadora, a empresa que havia ordenado o serviço e que hoje é cliente da 7IT. 

Ao rememorar essa história, Protta faz questão de dizer que o serviço que realizou na primeira vez foi “muito ruim”. Mas se era tão precário, por que o cliente teria valorizado a entrega e o profissional responsável por ela? Não haveria aí um critério muito pesado para avaliar o próprio trabalho?

“Talvez seja por conta da minha autocrítica, que me acompanha diariamente”, reflete. “Me cobro muito pelo que tento fazer. As coisas têm que seguir na rota certa para eu ter tranquilidade. É difícil, porque muita gente não entende esse processo: com frequência me perguntam se não me cobro demais, se ‘preciso’ ser assim. E respondo que essa é a essência que está no meu coração. Por isso, sempre é importante parar, centrar a cabeça, ver o que posso mudar e reimaginar como as coisas podem ser”.

“Levou anos, mas, hoje, levanto o peito para dizer que paguei 100% das dívidas e consegui transformar a empresa.”

 

Aprendizado na queda

Essa capacidade de autocrítica foi fundamental quando, em 2013, a 7IT quebrou. “Dei um passo maior que a perna. Não tinha um planejamento efetivo, eu simplesmente achava que eu estava no controle”, diz. 

O passo maior que a perna foi consequência de uma ambição reconhecidamente desmedida. “Certo dia, um parceiro de negócios me disse que Tatuí era pequena, não ofereceria grandes oportunidades, e que eu tinha que ir para um grande centro. Montei uma estrutura em Campinas, que incluía um apartamento que aluguei para dois funcionários, e comecei seguro de que tudo poderia dar certo”, conta.

Sem planejamento, sem parceiros sólidos e sem compreender o novo mercado, a operação logo se tornou deficitária. “Eu faturava 70, 80 mil reais por mês, e em quatro meses estava com quase 200 mil de dívida”, recorda. “Quebrei por incompetência administrativa”. 

Depois de ouvir seu contador dizer que ele “perdeu tudo” e que “ia ter que ser funcionário de novo”, Protta entrou em profunda tristeza, mas conseguiu ser pragmático. ”Fiz uma lista no Excel com todo mundo para quem eu devia, fiz um plano de pagamento e, pela primeira vez na vida, um plano de negócios de verdade. Levou anos, mas, hoje, levanto o peito para dizer que paguei 100% das dívidas e consegui transformar a empresa”.

“A enfermeira que estava me atendendo me parou e disse de modo firme: se você deixar tudo como está, você deixa de existir, a sua filha vai chamar outra pessoa de pai […] Tomava vários remédios antes disso, hoje não tomo nenhum, continuo praticando esportes.”

O período foi extremamente difícil financeira e emocionalmente. “Foi um momento bem ruim, mas hoje avalio que tudo o que vivi nessa época me fez mais forte, me ensinou como o trabalho teria de ser regido dali em diante e me fez contrair algo sólido, me deu um caminho totalmente diferente daquele que eu estava tomando”, avalia hoje o empresário.  “É algo que tenho muito claro para mim: mesmo no dia e nos momentos maus, é preciso vestir-se do bem e ir à luta”.

 

Reconstrução pessoal

Poucos anos depois de iniciar a reconstrução de sua empresa, Cícero Protta teve que refazer a si mesmo. Pesando 166 kg e com vários problemas de saúde, que iam de distúrbios do sono à hipertensão, era preciso mudar. “Eu mentia para mim mesmo, dizia que eu era um gordinho feliz, que não passava vontades. Vivia uma felicidade inexistente”, diz.

Durante uma polissonografia, ele acordou no meio da madrugada, arrancando vários dos sensores e fios — que são presos ao corpo para diagnosticar patologias do sono. “A enfermeira que estava me atendendo me parou e disse de modo firme: se você deixar tudo como está, você deixa de existir, a sua filha vai chamar outra pessoa de pai, sua mulher vai casar com outro, sua empresa vai desandar”.

“Quando a riqueza é o objetivo, ela passa por cima dos seus valores. Na verdade, ela se torna seu único valor”

Protta considera essa enfermeira uma pessoa “inspirada e inspiradora” e, a partir das palavras dela, empregou a mesma lógica feita após a quebra da empresa. “Criei um plano para uma reeducação alimentar orientada por uma nutricionista. Acordava às 4h30 para caminhar, depois passei a correr. Aquilo me deu uma energia muito grande. Tomava vários remédios antes disso, hoje não tomo nenhum, continuo praticando esportes — inclusive acabei de fazer o Caminho da Fé [nome dado ao percurso de Águas da Prata até Aparecida do Norte] de bicicleta”.

Hoje, 70 quilos mais magro que nessa época, Protta se considera uma pessoa mais feliz e com uma mentalidade totalmente diferente. Os aprendizados da vida também moldaram as relações atuais. O determinismo do pai, por exemplo, serviu para que ele adotasse o caminho oposto com as duas filhas (“jamais vou obrigá-las a seguir uma carreira que eu escolher”), assim como a indiferença e a falta de transparência de antigos patrões servem como referência do que não fazer com a própria empresa.

“Completamos dez anos de CNPJ em 2020 e falei que era o momento de reconstrução. Investi em um escritório novo para entregar um ambiente diferente aos colaboradores, para que eles se sintam bem. A ideia é que seja um ambiente leve, transparente”, diz

A ambição desmedida, que o levou a quebrar no passado, também ficou para trás. “Hoje entendo que o dinheiro é consequência do que a gente faz bem feito. Quando a riqueza é o objetivo, ela passa por cima dos seus valores. Na verdade, ela se torna seu único valor”, reflete.

A 7IT tornou-se uma empresa com foco em serviço, que trabalha com fornecedores de peso. A Microsoft é o carro-chefe, mas há soluções de Dell, Fortinet, Kaspersky e outras. “Era preciso sair da linha de venda de produtos e passar a entregar valor, por meio de soluções que resolvessem o problema do cliente. Não há mais espaço para o cara que quer vender a qualquer custo, apesar de ainda existir esse tipo de profissional. Mas a pandemia deixou as pessoas carentes e, quanto mais próximo delas você estiver, mais efetiva será sua entrega. Só ter produto e preço não gera afetividade, não cria um trabalho sólido. A gente redesenhou nosso processo para entregar bem mais do que isso”.