Aplicações baseadas em cloud deverão valer mais de US$ 140 bilhões até 2022, segundo o Gartner, e a adoção massiva do SaaS é a principal razão para explicar essas cifras. Entender esse movimento é vital para as empresas de TI.

O SaaS (Software as a Service) assumiu protagonismo no mercado de computação em nuvem. Um estudo do Instituto Gartner prevê que as aplicações baseadas em cloud irão valer US$ 143,7 bilhões até 2022, uma escalada que encontra força na integração simplificada e na alta acessibilidade que esse conceito oferece, além de ser a modalidade mais perceptível para o usuário da tecnologia.

“Em um primeiro momento, as empresas de software podem pegar seu produto e oferecer em regime SaaS através de virtualização de ambiente, mas essa é uma solução temporária”, avalia Dagoberto Hajjar, sócio-fundador da Advance Consulting. “A nuvem permite que o software seja escrito de uma maneira muito mais inteligente usando componentes pré-escritos. O desenvolvedor irá costurar seus produtos usando vários elementos de terceiros. E, aqui, surge a importância da plataforma como serviços. Teremos bibliotecas de componentes, serviços de banco de dados, data lakes e análises, serviços de comunicação com qualquer tipo de dispositivos (IoT), serviços de segurança altamente sofisticados, serviços da inteligência artificial, entre outros”, completa.

 

“Acredito que estamos em um caminho sem volta com o SaaS”, resume Leandro Barasniewski.
“Acredito que estamos em um caminho sem volta com o SaaS”, resume Leandro Barasniewski.

Hajjar cita ainda as plataformas de Low Code, como Cronapp ou Outsystems, que permitem que o desenvolvedor faça sistemas altamente complexos escrevendo poucas linhas de código. A plataforma oferece uma infinidade de componentes que podem ser “costurados”, montando um novo software. “A nuvem permite uma evolução no software tão grande, até maior do que foi quando tínhamos software para DOS e passamos a software para Windows”, acredita o consultor.

Alinhamento estratégico e experiência do cliente

“Acredito que estamos em um caminho sem volta com o SaaS”, resume Leandro Barasniewski, diretor de operações da Go Ahead, uma empresa de soluções para apoiar a transformação digital das organizações. “Cabe, agora, a nós, integradores de TI, acostumados às vendas de soluções com maior parte de hardware, nos adaptarmos a este novo modelo e reinventar a forma de atuação”, completa.

Cabe, agora, a nós, integradores de TI, acostumados às vendas de soluções com maior parte de hardware, nos adaptarmos a este novo modelo e reinventar a forma de atuação.

Segundo Barasniewski, a melhor forma de realizar essa adaptação é trabalhar, cada vez mais, com receitas menores, porém recorrentes, e, cada vez menos, com projetos de receitas maiores e recebimentos one-shot. “As empresas devem repensar suas estruturas e focar em áreas como CSM (Customer Sucess Management) ou CX (Customer Experience), pois a fidelização do cliente é imprescindível para essa adaptação. Isso também exige cuidar para que as soluções ofertadas estejam sempre alinhadas estrategicamente com a área comercial e com o core business”, avalia .

A Go Ahead começou essa transição há cerca de três anos. Consoante com o depoimento de Barasniewski, um dos principais pontos nesse processo foi a estruturação de uma área interna de CSM, o que exigiu uma mudança de postura de todas as áreas, na qual o cliente passa a ser prioridade. “Em paralelo, desenvolvemos soluções próprias como o GoHealth, GoConnect e GoSecurity. São todas ferramentas que, quando integradas ao portfólio de soluções SaaS, geram bastante valor agregado aos nossos clientes”, conta o executivo.

Existe uma conjuntura de fatores para o crescimento de SaaS. Na avaliação de Hajjar, cinco deles são determinantes: o amadurecimento do mercado, a maturidade das telecomunicações, o custo da infraestrutura de data center, a escala e a pandemia do coronavírus.

Cinco razões para o crescimento do SaaS

Cinco razões para o crescimento do SaaS

  1. Amadurecimento do mercado. Quando um mercado é novo, consome muito hardware e, proporcionalmente, muito menos software e serviços. “À medida que o mercado começa a evoluir, aumenta a proporção de investimentos em software e serviços, comparativamente ao hardware”, afirma Hajjar. O Brasil está próximo de 50%. Comparativamente, EUA e Inglaterra têm consumo de aproximadamente 70% em software e serviços contra 30% de hardware;
  2. Maturidade das telecomunicações. Apesar de ainda termos um grande déficit de telecomunicações no Brasil, vai longe a época em que a conexão com a internet caía por causa de uma chuva ou ventos mais fortes. “O que é ofertado no país hoje apresenta qualidade de serviço suficiente para consumirmos software e serviços em nuvem”, diz o especialista;
  3. Custo da infraestrutura de datacenter. O volume e o consumo aumentam na proporção em que se reduzem os custos para os usuários.
  4. Escala. O modelo tradicional de software (“on premises”) tem altos custos de instalação e manutenção. O SaaS reduz esses custos e permite que as empresas possam ter clientes em qualquer lugar do mundo, ganhando escala para vender;
  5. Pandemia. O coronavírus trouxe impactos que exigiram mudanças rápidas e a nuvem mostrou-se a alternativa mais adequada. Portanto, as empresas “cloud”, como data centers e provedores de SaaS, tiveram crescimento acima de 30% de março de 2020 até agora (agosto de 2020).

Estabelecendo valores

“O que é ofertado no país hoje apresenta qualidade de serviço suficiente para consumirmos software e serviços em nuvem”, Dagoberto Hajjar.
“O que é ofertado no país hoje apresenta qualidade de serviço suficiente para consumirmos software e serviços em nuvem”, Dagoberto Hajjar.

No modelo tradicional de software, as empresas determinavam o preço de venda baseadas no custo de produção. Hoje, além de olhar o custo de produção, a empresa precisa considerar outros três vetores:

  1. Estratégia de entrada no mercado ou de amortização dos investimentos feitos;
  2. Valores e modalidade comercial praticada pela concorrência.
  3. E o último e mais importante: expectativa do cliente e percepção de valor.

“Se a empresa não conseguir criar uma boa percepção de valor, o cliente mudará rapidamente para outro fornecedor mais barato, porque no SaaS essa mudança ocorre de maneira muito mais fácil e rápida do que no modelo tradicional”, explica Dagoberto Hajjar. Ele ressalta que alguns fornecedores ainda conseguem fazer contratos exigindo do cliente um tempo mínimo de uso do seu produto, mas acredita que essa prática tem prazo para terminar. “O cliente pagará pelo uso. Tão simples quanto a energia elétrica”, diz.

O cliente mudará rapidamente para outro fornecedor mais barato se a empresa não conseguir criar uma boa percepção de valor, porque, no SaaS, essa mudança ocorre de maneira muito mais fácil e rápida do que no modelo tradicional.

Versão brasileira

O SaaS se apresenta nos modelos horizontal e vertical. O primeiro é o que existe há mais tempo e tem uma característica mais abrangente, tratando-se, por exemplo, de uma solução comercial que atende diferentes segmentos industriais. Já o SaaS vertical é mais segmentado e oferece uma atuação mais particular e individualizada.

“O mercado nacional está mais voltado para o SaaS horizontal, até porque é o que temos consolidado por aqui, mas vejo um potencial muito grande para o SaaS vertical”, diz Leandro Barasniewski. “Hoje, as soluções mais rentáveis que temos são soluções direcionadas a um determinado mercado, realizando o entendimento do negócio e integrando a solução a um determinado nicho. Por conta disso, acredito que o SaaS vertical terá um foco maior no futuro aqui no Brasil”.

Entretanto, essa migração pode esbarrar em obstáculos culturais. “O brasileiro, enquanto pessoa física, gosta de novidade e as adota rapidamente. Mas é altamente conservador enquanto pessoa jurídica”, opina Dagoberto Hajjar. Ele conta que, até pouco tempo atrás, ouvia de empresários que a nuvem não era segura.

“Então, eu chamava a atenção deles para o fato de acessarem suas contas correntes através da nuvem ou enviarem e acessarem seu imposto de renda pela nuvem. Pouco a pouco, esses empresários ganharam confiança em sistemas de cloud, mas ainda não sabiam como migrar para lá. Por incrível que pareça, suas equipes técnicas não estavam preparadas”, conta.

Porém, mesmo com essa percepção, o consultor acredita que esse cenário já foi impactado pela pandemia do coronavírus. “Foi uma crise que exigiu a revisão urgente de toda infraestrutura de TI. Nos demos conta de nossa dependência da tecnologia e nos tornamos ainda mais dependentes dela. Acredito que não retornaremos aos velhos vícios”, finaliza.