A  pandemia mudou a forma das equipes de vendas e atendimento se relacionarem com seus clientes, mas até que ponto essa mudança teve impacto real nos resultados das revendas e integradores de TI? Consultamos especialistas e players do mercado para descobrir

 

Por anos o modelo tradicional de vendas B2B esteve associado a uma relação de proximidade e confiança entre departamentos de venda e de compra. Dessa forma, era difícil encontrar um gestor de vendas que não defendesse a necessidade de visitas periódicas aos clientes, mesmo que as transações pudessem ocorrer sem percalços de forma remota. Porém, se há uma coisa que as empresas aprenderam com a pandemia foi que nem sempre a presença física é determinante para a venda. Com a necessidade de isolamento e as restrições de deslocamentos, empresas e equipes de venda tiveram que se adaptar. 

Foi o caso da paulista Automatizando. A diretora comercial Ariane Feres relata que as adaptações foram difíceis no início, uma vez que se tratava de algo inédito. Apesar disso, optaram por não fazer treinamentos específicos com a equipe de vendas e, sim, estreitar laços. “Analisávamos os desafios e conversávamos diariamente sobre resultados e novas metas, sendo sempre muito transparentes e mostrando os resultados da empresa”, diz.

Na avaliação de Wesley Marcos de Almeida, mestre em Administração e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), não apenas a transformação digital foi “apressada” pela pandemia. O processo gradual de modernização das relações de compra e venda também foi acelerado. “Como fornecedores de recursos tecnológicos que dão suporte a um mundo sempre conectado, as empresas de revenda e integradores de TI assumiram papel de destaque nessa nova realidade”, avalia o acadêmico.

“Como fornecedores de recursos tecnológicos que dão suporte a um mundo sempre conectado, as empresas de revenda e integradores de TI assumiram papel de destaque nessa nova realidade”, avalia Almeida.

Essa nova realidade acabou por ocasionar um crescimento do mercado, segundo avaliação da empresa Advance Consulting. Na edição de outubro de sua Pesquisa do Mercado Brasileiro de TIC (Tecnologia da Informação e Telecom), a consultoria revela que, no segundo trimestre de 2020, o crescimento foi de 5,1%; no terceiro, de 10,3%, e, no acumulado de janeiro a setembro, de 8,2%. 

Historicamente, o segundo trimestre tem o desempenho mais fraco do ano — a própria Automatizando relata que faturou, em abril, apenas um terço do que haviam previsto. Porém, considerando que as normas de isolamento social entraram em vigor a  partir de 24 de março, é seguro dizer que a face mais amedrontadora da crise foi mostrada ao mercado de TI em um trimestre menos relevante. Já o terceiro trimestre, como dito, apresentou aumento de 10,3% em relação ao mesmo período do ano anterior. Com isso, a Advance estima que o ano fechará com 9,5% de crescimento.

Não há como dizer como o mercado teria se comportado caso a pandemia não tivesse acontecido, mas o fato é que os dados mostram um progresso real factível. O que explicaria, então, a percepção negativa de alguns players do setor? “Os empresários acreditam que o mercado de TI deverá crescer 6,1% em 2020. Este número é irreal, dado o crescimento de 8,2% já contabilizado de janeiro a setembro. A média reportada está sendo ‘puxada para baixo’ pelo pessimismo de empresários de empresas menores ou de empresas com retração — que acham que o mercado está indo tão mal quanto suas empresas”, diz Dagoberto Hajjar, CEO da Advance Consulting.

 

Mercado de revendas de TI em 2020*

  • 65% das empresas tiveram crescimento no acumulado Jan-Set de 2020
  • 25% das empresas tiveram retração no acumulado Jan-Set de 2020
  • As empresas mais impactadas negativamente foram as empresas menores
  • Projeção de crescimento até o fim do ano: 9,5% (em relação a 2019)

*Fonte: Pesquisa do Mercado Brasileiro de TIC – Outubro de 2020 – Advance Consulting

 

Visitar ou não visitar? Eis a questão

Diante desse crescimento, fica difícil defender com dados concretos a necessidade de visitas presenciais da equipe de vendas. “Para nós, nada mudou, pois já operávamos em home office desde 2014”, diz Leandro Kuhn, CEO da L8 Group, que faz parte dos 65% que tiveram crescimento acumulado neste ano. “Inclusive internamente até brincamos que agora todo mundo opera como nós e não temos mais este diferencial”, conta.

Kuhn relata que as reuniões realizadas presencialmente em clientes também passaram a ocorrer por videoconferência. Mas a mudança mais significativa na estratégia de vendas da empresa envolveu a intensificação dos investimentos em canais online. “Direcionamos boa parte do recurso de feiras e outros eventos presenciais para o marketing digital”, diz o CEO. Por conta disso, a empresa, que tem sede em Curitiba (PR), agregou operações em Rondônia, Pará e Bahia, aumentando sua atuação para um total de sete estados.

Customização, adaptação, flexibilidade e foco nos clientes eram características importantes para negócios de TI, agora, são fundamentais para sua sobrevivência e diferenciação dos concorrentes.

A gaúcha Gruppen IT também intensificou a atuação remota que já praticava antes mesmo de a expressão “Covid-19” entrar no vocabulário corrente. “Nossos vendedores faziam até três interações presenciais por semana, hoje são 18 interações remotas por semana – sem ter que se deslocar, sem tomar ‘chá de cadeira’, sem perder um tempo que nunca teve necessidade de perder”, nos contou o CEO da empresa, Felipe Jacobs, em uma matéria publicada em outubro pela Comunidade Scansource.

Já no caso da paulista Automatizando, foram necessárias adaptações ao cenário pandêmico. Além do já mencionado estreitamento com a equipe de vendas, foi preciso lidar com o luto da perda do convívio diário. “O maior desafio para nós foi aprender a lidar com o distanciamento. Nossa equipe é muito unida e, mesmo com a correria do dia a dia, sempre achávamos um tempo para comentar sobre nossas famílias, viagens, sonhos”, conta Ariane Feres.

“O maior desafio para nós foi aprender a lidar com o distanciamento. Nossa equipe é muito unida e, mesmo com a correria do dia a dia, sempre achávamos um tempo para comentar sobre nossas famílias, viagens, sonhos”, conta Ariane Feres.

Houve, ainda, investimento em melhores ferramentas de comunicação digital, com a finalidade de tornar a relação com os clientes mais próxima e fluida. “O distanciamento social nos aproximou mais dos clientes e dos fornecedores também. Isso foi um dos melhores pontos até o momento, pois, assim, conseguimos manter o máximo de pessoas em casa, curtindo a família, perdendo menos tempo em transporte e tendo ganho de qualidade de vida”, completa a diretora comercial da Automatizando.  

Leandro Kuhn avalia que customização, adaptação, flexibilidade e foco nos clientes eram características importantes para negócios de TI, mas, agora, são fundamentais para sua sobrevivência e diferenciação dos concorrentes.

“O cliente mudou neste período e as exigências no processo de compra/venda vão permanecer no novo amanhã”, defende Kuhn.

“Cada vez mais, as necessidades do cliente, seja pessoa física ou jurídica, precisam ser valorizadas e priorizadas no atendimento e na proposição das soluções. Passado tudo isso, talvez as coisas voltem a ser um pouco mais parecidas com o período anterior à pandemia, com vendas prioritariamente presenciais e em ambiente controlado, mas a mente humana não regride. O cliente mudou neste período e as exigências no processo de compra/venda vão permanecer no novo amanhã”, defende Kuhn.

O professor Wesley Almeida acredita que os negócios apegados ao modelo tradicional — que pode ser traduzido na frase “eu sou o especialista e sei o que meu cliente precisa” — vão perder ainda mais espaço para modelos de negócios inovadores que encontram soluções de forma colaborativa, sem imposições. “Esse atendimento mais completo passa pela compreensão das necessidade e da oferta de solução adequada. Os fornecedores de tecnologias precisam adaptar seu mix de produtos para ter uma oferta que realmente atenda as necessidades de cada cliente. Mais do que tudo, é necessário acompanhar o uso da solução pelo cliente para saber se ela realmente trará resultados satisfatórios. Não adianta apenas ter presença em redes sociais, atender por WhatsApp ou videoconferência, se as ferramentas não forem bem utilizadas, afirma o professor.