Abandonar um portfólio baseado exclusivamente em ativos é uma necessidade de sobrevivência – e também uma grande janela de oportunidades – no mercado de revendas, mas é preciso cuidar de questões financeiras e operacionais para realizar essa virada

Tudo bem que SaaS e cloud formem um casamento bilionário, mas mudar o modelo de venda não é um processo simples. A ruptura envolve muito mais que decisões de portfólio – ela impacta toda a gestão financeira da empresa. Como planejar previamente essa virada? 

“O planejamento financeiro com o auxílio de uma análise de TCO (custo total de posse) bastante honesta podem apontar reduções de até 80% em relação aos custos pertinentes ao modelo tradicional”, Rogério Guimarães, da Crowe. 
“O planejamento financeiro com o auxílio de uma análise de TCO (custo total de posse) bastante honesta podem apontar reduções de até 80% em relação aos custos pertinentes ao modelo tradicional”, Rogério Guimarães, da Crowe.

Rogério Guimarães, diretor de tecnologia e inovação da consultoria Crowe, reconhece que essa transformação é custosa, mas que pode ser planejada e estruturada para que se torne viável. “O planejamento financeiro com o auxílio de uma análise de TCO (total cost of ownership, ou custo total de posse) bastante honesta podem apontar reduções de até 80% em relação aos custos pertinentes ao modelo tradicional”. 

Na análise do especialista, essa redução confere um fôlego indispensável para o fluxo de caixa, uma vez que os altos recebimentos com implantações, licenças de uso ou qualquer remuneração proveniente de uma venda pontual serão substituídos pelos recebimentos recorrentes com montantes expressivamente menores. Ele ressalta, porém, que a tendência é que o retorno sobre investimento (ROI) não seja de curto prazo, e por isso, o planejamento não pode ser apenas financeiro, mas também operacional.

A migração para o mundo de serviços não é algo simples tampouco barato, mas este é um caminho sem volta para revendas e integradores de tecnologia manterem-se competitivas.

A virada da Logicalis

O caso da Logicalis, uma empresa global de soluções e serviços de tecnologia da informação e comunicação, exemplifica e aprofunda essa mentalidade. Segundo seu diretor de serviços para a América Latina, Paulo Torres, a companhia trabalha sua oferta as a service em contratos de três a cinco anos – nunca menos que isso. “Um contrato de um ano é tão curto que nem nós nem o cliente extrairíamos todo o benefício possível. Tem o tempo de set up, de entrar no ritmo, toda uma curva de implantação. Querer fazer um ‘plug and play‘ é um objetivo inalcançável”, afirma o executivo.

A empresa começou sua oferta de XaaS há cerca de dez anos, quando ainda era algo pouco conhecido. Para viabilizar a mudança de portfólio, os investimentos vieram parte de capital próprio, parte de instituições financeiras. A carteira de clientes já estava consolidada quando aportou a pandemia e a cabeça do mercado mudou.

Antes os clientes enterprise faziam uma compra de Capex para não ter impacto na rentabilidade. Mas aí veio a orientação geral de preservar o caixa para lidar com as consequências da pandemia e as soluções as a service explodiram. Não fazer grandes desembolsos passou a ser regra para todos os clientes e para nós também. Todos concordamos em experimentar uma redução na rentabilidade, mas com a preservação do caixa”, conta Torres.

Readequando os negócios

Para as empresas familiares ou com uma estrutura operacional reduzida, o desafio é ainda maior. “Ao investir nessa nova realidade, elas devem considerar o auxílio de terceirizadas que possam suportá-las na gestão das mudanças organizacionais, financeiras e operacionais. Isso lhes permitirá focar no ‘core’ de seu negócio e desenvolver seu novo portfólio com maior segurança e qualidade.  O lado bom dessa história é que seu portfólio expandido na oferta as a service deverá naturalmente levar à uma amplitude de captação e retenção de clientes”, diz Guimarães.

“Um contrato de um ano é tão curto que nem nós nem o cliente extrairíamos todo o benefício possível. Tem o tempo de set up, de entrar no ritmo, toda uma curva de implantação. Querer fazer um 'plug and play' é um objetivo inalcançável”, Paulo Torres, da Logicalis.
“Um contrato de um ano é tão curto que nem nós nem o cliente extrairíamos todo o benefício possível. Tem o tempo de set up, de entrar no ritmo, toda uma curva de implantação. Querer fazer um ‘plug and play’ é um objetivo inalcançável”, Paulo Torres, da Logicalis.

Complementando a visão do consultor, Torres explicar que, para gerenciar as ofertas as a service, “tem que ter escala, tem que ter volume e atender muitas soluções. Ponto. Se começar a sua oferta pelos clientes pequenos, você provavelmente terá que investir, porque não vai ter escala e o risco de prejuízo é grande. O melhor caminho é o mais conservador: arrumar um cliente-âncora, que te dê o primeiro lastro, mesmo que você fique no zero a zero. E então usar essa operação para ser competitivo nas próximas”. 

Luís Felipe Rabello Taveira, consultor e especialista em Negócios Digitais da Syscoin Commerce, lembra que muitas empresas familiares se concentram em atender localmente, e que o modelo de negócios as a service permite ampliar a base de usuários, tanto no aspecto geográfico quanto em quantidade. “É um modelo que traz escala e previsibilidade de receitas. Mas isso vai implicar na necessidade de investimentos em marketing e infraestrutura para comportar o crescimento da base de usuários”, ressalva.

Torres afirma que a Logicalis oferece, na maioria das vezes, uma camada de valor ao serviço oferecido. “Só transformar Capex em Opex não nos interessa, é preciso ter esse valor agregado. Costumamos usar o próprio serviço de nuvem para ‘empacotar’ uma solução, ofertando algo mais. Ou então entregamos também modalidades nas quais há equipamentos envolvidos, como é o caso de SD-Wan e de colaboração. Estruturamos conforme a necessidade do cliente”, conta.

A agilidade e a eficiência em destaque

“É  uma questão de modernização de modelo de negócio e acompanhamento das transformações digitais. Investir nessa nova realidade é simplesmente necessário para uma empresa desse segmento se manter viva”, Graziela Fortunato, da IAG - Escola de Negócios da PUC-Rio.
“É  uma questão de modernização de modelo de negócio e acompanhamento das transformações digitais. Investir nessa nova realidade é simplesmente necessário para uma empresa desse segmento se manter viva”, Graziela Fortunato, da IAG – Escola de Negócios da PUC-Rio.

Para a professora Graziela Fortunato, especialista em finanças do IAG – Escola de Negócios da PUC-Rio, os argumentos de venda devem destacar a agilidade e a eficiência do modelo, que busca redução de custos através de dimensionamento de escala e flexibilidade. “A comunicação deve ser aprimorada para enfatizar isso”, diz. E garante: mesmo com os riscos envolvidos, não há razão para não fazer essa virada. “É  uma questão de modernização de modelo de negócio e acompanhamento das transformações digitais”, resume a professora. “Investir nessa nova realidade é simplesmente necessário para uma empresa desse segmento se manter viva”.

Esse trabalho de comunicação citado pela consultora vai além de afinar o discurso da equipe de vendas. “Antes da pandemia, raramente encontrávamos nos clientes maturidade para entender esse modelo. Se nossa consultoria interna não fizesse parte do trabalho para ajudar o comprador de nosso cliente a defender o ROI, a venda não sairia de jeito nenhum”, acredita Paulo Torres, da Logicalis. 

A pandemia acelerou a maturação e parece ter melhorado o entendimento do mercado para os modelos XaaS, mas isso não quer dizer que os cuidados podem ser afrouxados. “A migração para o mundo de serviços não é algo simples tampouco barato, mas este é um caminho sem volta para revendas e integradores de tecnologia manterem-se competitivas”, diz Rogério Guimarães, da Crowe.