Israel Pacheco, diretor de marketing da ScanSource, escreve uma carta para seu futuro eu. Nessa conversa, ele relembra a própria trajetória, dá conselhos para sua versão mais velha, lamenta não poder ser aconselhada por ela e reflete sobre o futuro

Dois mil e trinta e dois, hein, Israel? Que viagem! Daqui do meu tempo, neste 2022 que ainda começa, só me resta a imaginação para intuir como você estará no futuro. Como nós estaremos, né?

Certezas, não tenho, óbvio, afinal nossa trajetória sempre foi de descobertas e muita experimentação, mas espero que você esteja bem, esteja feliz e construindo uma trajetória da qual possamos nos orgulhar. Que esteja cercado pela família e por pessoas queridas, que é o mais importante.

Não é fácil escrever para si mesmo. E, se vou conversar com meu “eu” futuro, acho que antes preciso mergulhar na nostalgia e relembrar nosso passado. Viemos de uma família humilde e perdemos o pai cedo demais, uma ausência dura demais.

Na infância, não tínhamos muitas expectativas e sonhos para o futuro: ter um exemplo para seguir, uma referência, é algo que ajuda muito. Como não tivemos isso, devemos muito à mãe, que tanto inculcou na gente a importância da educação. E ela sempre falou, né? Insistiu, lutou, mostrou o caminho. E, quando ela se casou de novo, ganhamos um segundo pai e isso também fez a diferença.

Como você é o mais sábio de nós dois, com uma década de experiência de vida a mais, eu que deveria receber conselhos seus. Já que isso não é possível, lá vão os meus

Por conta da mãe, nossa fome de aprender sempre foi enorme. Lembra quando a gente tinha dez anos e achamos na vovó um livro do Fernando Pessoa? Sim, aquele que está comigo até hoje — e que tenho certeza que você ainda guarda com muito carinho. Nunca vou me esquecer da sensação que tivemos ao ler pela primeira vez o poema Autopsicografia. Foi uma revelação, um impacto: a descoberta da imaginação e de que poderíamos não apenas viver uma sensação, mas escrevê-la.

Pois é, queríamos ser escritores. A vida se impôs e trilhamos outro caminho, afinal, é preciso trabalhar e ganhar dinheiro, mas não deixo de pensar que aquele sonho, aquela ânsia de contar histórias, se realizou. De outra forma, claro, mas tá aí: somos os protagonistas da nossa própria trajetória. Escrevemos nossa história. E que jornada linda, né? Ahh, Fernando Pessoa. Você nos ensinou muito!

“O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm”.

Da escola pública para o curso de Administração de Empresas da UFRGS foi um pulo. Outro desafio foi deixar Porto Alegre para conquistar a vida em São Paulo. Uma cidade nova, gigantesca, e a gente ali, sem amigos, sem conhecer ninguém, sem suporte e com outra vida para conquistar. Aos poucos, achamos nosso caminho e tiramos da experiência uma lição: a da importância de acolher as pessoas, de ajudar quem está começando uma trajetória, sempre. E também de permanecer otimista e cheio de curiosidade. Cheio de fome de mundo.

Daquela época, lembro com saudade da nossa passagem pela Oi, quando tivemos o desafio de criar um novo portfólio de produtos e serviços. Foi um trabalho que envolveu financeiro, jurídico e teve forte aproximação com os times de vendas. Em dois anos, as vendas foram quadruplicadas. Me recordo com carinho dessa experiência, porque foi a primeira vez que desenvolvemos algo em que os times de vendas acreditaram. Essa sintonia permitiu que a comunicação fosse clara, alinhada com o discurso comercial.

Falando nisso, já reparou como o começo da nossa carreira se confundiu com o crescimento do setor de telecomunicações? Fomos trainees do grupo Telefônica numa época em que os produtos e serviços estavam sendo criados; fomos para São Paulo fazer parte do primeiro time de marketing nacional da Vivo. Ainda ali, nos tornamos gerentes de vendas para Bahia e Sergipe. Esse foi um período muito rico, de grande aprendizado. E, até hoje, sei o tamanho do legado que a Bahia deixou em nossas vidas, ao nos ensinar a arte de vender e atender que só o baiano tem.

Diferentes visões são imprescindíveis para o sucesso, por isso, saber trabalhar com times diversos não é mais uma opção, é o único caminho.

E, se a ideia é relembrar, não podemos nos esquecer do sabático na Austrália, em 2017. Pausa para reavaliar e pensar o futuro. Foi ali que surgiu a vontade, ou melhor, a convicção: a gente queria trabalhar numa empresa onde nossas ações pudessem gerar impacto imediato no negócio, uma companhia preocupada com um ambiente diverso e seguro. Foi assim que chegamos na Scan, né?

Daqui de 2022, quando te escrevo esta carta, garanto que esses primeiros meses na empresa têm sido de muito trabalho, muito aprendizado e constante desafio. Que inveja de você, que já viu os frutos da nossa dedicação. Gostaria tanto de ver talentos com quem convivi alcançando posições de destaque, sabendo que posso ter feito alguma diferença na trajetória dessas pessoas. Me contento com a imaginação, mas aceitaria uns spoilers, viu?

Como você é o mais sábio de nós dois, com uma década de experiência de vida a mais, eu que deveria receber conselhos seus. Já que isso não é possível, lá vão os meus: espero que você siga como um líder capaz de criar um ambiente seguro para que todos possam se sentir confortáveis em contribuir. Diferentes visões são imprescindíveis para o sucesso, por isso, saber trabalhar com times diversos não é mais uma opção, é o único caminho. 

Ninguém está pronto, não é só pegar o diploma e pendurar na parede. É preciso aprender sempre, crescer sempre, mudar constantemente e estar aberto para o futuro

Espero que você esteja cada vez mais mergulhado em dois assuntos que mexem com a gente — sustentabilidade e inclusão. Num país como o nosso, a inclusão será cada vez mais responsabilidade não só dos governos, mas da iniciativa privada. A pauta ESG já mudou o negócio de forma decisiva e nós estamos inseridos nesse contexto.

Você sabe que eu gosto muito da expressão lifelong learning, a educação contínua. Ninguém está pronto, não é só pegar o diploma e pendurar na parede. É preciso aprender sempre, crescer sempre, mudar constantemente e estar aberto para o futuro.

Aqui, em 2022, não há alternativa senão todo dia repensar o que fazemos e como fazemos, afinal, não existe uma solução pronta para os problemas. Só assim encontraremos as melhores formas de responder aos desafios de um mundo que não apenas se transforma, mas é a própria transformação. Se é assim no meu tempo, como será no seu, então, hein?

Esteja sempre cercado por pessoas talentosas, que acrescentem, e não se esqueça que ser protagonista e ousar é fundamental, mas que é preciso seguir coletivamente, sempre. 

Lembre-se daquilo que aprendemos lá atrás: não aceite trabalhar com líderes ruins e se engaje em times com potencial. Um bom líder e um bom grupo podem nos levar aonde talvez nem soubéssemos que poderíamos ir, por isso, é fundamental ser o melhor líder que você pode ser. É uma forma de ajudar outras pessoas a escreverem suas histórias. 

Para terminar este nosso papo, recorro de novo ao Fernando Pessoa. Em Autopsicografia, ele conclui assim: 

“E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração”.

Tá aí a mensagem final que quero te deixar, meu amigo. Assim como o poeta, que sejamos capazes de usar a razão para compreender (e realizar) os desígnios do nosso coração, nos transformando e, na medida do possível, transformando o mundo em que vivemos.

Leia mais

Vinícius Gusmão: uma heroica jornada pelo mundo mágico da ciência e do empreendedorismo

Ricardo Bonon e a aversão ao caminho mais cômodo

Marcos Teixeira e a jornada que precede a conquista