Para quem acreditava que os recursos digitais levariam as indústrias a verticalizarem seus negócios estendendo suas operações para o B2C, não é o que tem acontecido. A celeridade das transformações, associadas ao digital, mostrou que, para atender um consumidor cada vez mais exigente, indústria e varejo precisam estar mais integrados do que nunca

Não faz muito tempo, o ato de realizar uma compra era relativamente simples. Você se lembra? Era chegar na loja, escolher o produto, pagar no caixa e pronto. O e-commerce existia, é claro, mas era mais uma opção de conveniência do que um caminho frequentemente trilhado.

Tudo isso, é claro, mudou radicalmente. “O varejo caminha para a digitalização”, afirma Claudenir Andrade, diretor de Integração Tecnológica e Marketing da Elgin/Bematech. Em sua opinião, o varejo e a indústria mantêm seus papéis essenciais na relação com o consumidor, mas com características e atribuições adicionais. “A disponibilidade de produto em qualquer lugar é algo que o varejo tentava colocar em prática há tempos. Agora, está conseguindo, e a indústria teve que se adaptar mais fortemente a isso”, diz.

“Priorizar a venda direta não é a melhor opção para a indústria, visto que a venda B2B tem volume e é realizada de forma contínua. A venda B2C é bem menos consistente”, Juam Rosa da Complement Consultoria e Marketing.

Isso porque, avalia Andrade, o consumidor que antes entrava na loja e queria satisfação imediata levou essa mesma mentalidade para o online. “Ninguém quer comprar algo e receber daqui a 10 dias. Se possível, ele quer receber no mesmo dia. Ser capaz de entregar rápido em qualquer lugar e em qualquer canal era algo que estava no roadmap de muitas empresas, mas só para daqui a alguns anos. Agora, essa demanda se intensificou, e toda a cadeia teve que se adequar”, avalia

Essa adequação não veio sem choques. Vanderlei Ferreira, vice-presidente da Zebra Technologies no Brasil, acredita que boa parte do varejo precisa se manter, hoje, em um estado de alerta permanente. “Os clientes não podem parar o checkout nem um minuto; o recebimento é crítico; o produto perecível precisa de controle rígido e precisa ir para as gôndolas no momento correto. Foi um impacto drástico”, diz.

Outro impacto que Ferreira identifica é que os empreendedores e a indústria estão com um grau de profissionalismo muito maior. “O empreendedor brasileiro entendeu a qualidade como atributo essencial. Você vê código de barras até em frutas! Mesmo com um custo individual tão baixo, existe quem invista na rastreabilidade desse item, o que dá um diferencial de qualidade imenso. Até o mercado de flores ornamentais adotou soluções desse tipo. Você não vê mais tanta perda nos supermercados, porque o controle é rígido”, explica.

Ou seja: da produção à entrega final, o que temos hoje é um consumidor muito mais exigente. E a tecnologia é empregada em todas ou quase todos os processos envolvidos, a depender do produto que é ofertado, para garantir que as exigências de prazo, integridade e outras demandas do consumidor sejam atendidas.

“A disponibilidade de produto em qualquer lugar é algo que o varejo tentava colocar em prática há tempos. Agora, está conseguindo, e a indústria teve que se adaptar mais fortemente a isso”, Claudenir Andrade da Elgin/Bematech

Estreitando relações

Uma vez constatadas e vivenciadas essas mudanças, é inevitável perguntar: e agora? Na 13ª Pesquisa Anual sobre o Panorama dos Consumidores, realizada pela Zebra, identificou-se que 72% dos varejistas latino-americanos têm planos de investimento em tecnologia. “A tecnologia é o ponto de apoio do varejo nesse novo momento, com o foco de aprimorar o omnichannel, desenvolvendo novas experiências para o consumidor no online, na loja física e até mesmo em um meio-termo”, diz Ferreira.

O omnichannel trouxe certo entusiasmo com a possibilidade de a indústria vender diretamente aos seus consumidores, mas é bem pouco provável que isso se concretize. “Priorizar a venda direta não é a melhor opção para a indústria, visto que a venda B2B tem volume e é realizada de forma contínua. A venda B2C é bem menos consistente. Ela pode ser uma opção secundária interessante, mas para isso seriam necessários grandes investimentos em mão de obra qualificada, tempo de adaptação e muito marketing para alavancá-la”, diz Juam Rosa, fundador e CEO da Complement Consultoria e Marketing.

“Todo mundo quer ser o Mercado Livre”, brinca Claudenir Andrade, “mas acho que agora estão todos começando a entender que o Brasil é um país continental com características regionais, no que diz respeito à adoção de tecnologia, e vale investir em soluções locais. Além disso, em muitos segmentos permanece a importância da venda consultiva. Se o dono de uma padaria precisa adquirir tecnologia, ele não compra direto do fabricante: recorre a uma consultoria, sempre”, completa.

“O empreendedor brasileiro entendeu a qualidade como atributo essencial. Você vê código de barras até em frutas! Mesmo com um custo individual tão baixo, existe quem invista na rastreabilidade desse item, o que dá um diferencial de qualidade imenso”, Vanderlei Ferreira da Zebra Technologies no Brasil.

Essa característica abre espaço para uma das ações que Andrade considera essenciais nesse momento: estreitar os laços entre canais e fornecedores. Ele cita o próprio exemplo da Elgin, que aumentou sua capilaridade ao credenciar mais revendas. Isso gera uma movimentação extremamente positiva, na visão de Juam Rosa. “Temos um encurtamento de distância entre as pontas da cadeia produtiva e do varejo. Isso aumenta a velocidade entre as negociações, facilitando a apresentação de mostruário e a comunicação”, afirma o consultor.

Desafios logísticos

A disparidade na maturidade tecnológica das empresas não é apenas regional. Existem as próprias dimensões do negócio e Claudenir Andrade chega a falar até em “nanovarejo”. Mas engana-se quem pensa que esse ganho em digitalização é apenas para os maiores players do mercado.

“É natural que o grande varejista tenha uma inteligência em suas organizações, aumentando a facilidade de acesso às informações. Mas essa diferença está se reduzindo. Diria até que o médio e o pequeno têm mais flexibilidade na adoção da tecnologia que o grande, porque eles não têm tanto legado, não precisam ter grande interoperabilidade”, aponta Vanderlei Ferreira.

O executivo da Zebra vê soluções de self-checkout como uma das soluções com maior potencial para lojas físicas. Já o e-commerce deve demandar inovações de inteligência artificial. “A palavra da vez é imediatismo: ele comprou e quer receber, se possível, ainda hoje. Para eu ter capacidade e velocidade de responder dessa forma, a retaguarda tem que estar muito bem montada: o picking tem que ser rápido, é preciso coletores eficientes. A adoção de wearables também tem que ser grande”, prevê Ferreira.

Tendo em vista essa perspectiva, é bastante seguro apostar que o estreitamento entre as pontas da cadeia produtiva e a velocidade de entrega continuarão dando o tom na relação entre indústria e varejo. Mesmo que a melhora na segurança sanitária leve a um aumento de compra nas lojas físicas — algo que Claudenir Andrade vê como inevitável —, o comportamento do consumidor já se cristalizou quanto às exigências de velocidade, segurança e comodidade. 

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