Conciliar a inevitável necessidade de ganhar escala e atender o cliente da forma mais personalizada possível é um desafio e tanto, sobretudo quando o respeito à diversidade deixa de ser um diferencial e passa a ser obrigação. Essa equação só pode ser fechada por meio do uso das novas tecnologias 

Empoderada por um aplicativo, uma deficiente visual chega, na hora marcada, ao supermercado e encontra, na porta do estabelecimento, um vendedor a aguardando. Ele sabe seu nome, suas necessidades e está pronto para ajudá-la a fazer as compras. De frutas a carnes, de cereais a pães, tudo vai cuidadosamente parar no carrinho da mulher, que volta pra casa satisfeita e com a certeza de que foi tratada como uma consumidora e com a justa consideração. 

A experiência é real e só um dos muitos exemplos de como a tecnologia está ajudando varejistas a lidarem com a diversidade. Idosos, pessoas com capacidade de locomoção reduzida e outros consumidores também utilizam o aplicativo da Inclue, plataforma criada em 2019 e que ajuda empresas a atrair, atender e fidelizar públicos com necessidades específicas. 

A importância da TI para o varejo na era da diversidade
“Hoje você consegue encontrar em lojas onlines um setor apenas para roupas Queer [termo usado para identificar as minorias sexuais e de gênero]. A partir daí, esse consumidor passa a receber vários anúncios relativos a peças nesse estilo de roupa, tornando mais fácil a sua experiência de compra”, diz Rodrigo Garcia, da Petina
“Atualmente, grande parte dos varejistas não sabe como atender adequadamente às pessoas com deficiências. Isso acontece devido à falta de treinamento e de ferramentas que permitam compreender as necessidades específicas de cada tipo de deficiência”, diz Rodrigo Piris, cofundador da Inclue e que foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O outro sócio da empresa, Sonny Pólito, também faz parte desse público: ele possui deficiência visual.

Segundo uma pesquisa do Banco Mundial, mais de um bilhão de pessoas vivem com alguma forma de deficiência. Esse número representa quase 15% da população do planeta.“Toda pessoa com deficiência que vai a uma loja, a um supermercado, um restaurante, é sempre atendida de improviso. Esse público consumidor não recebe um atendimento de excelência”, diz Sonny Pólito.

O aplicativo desenvolvido pela Inclue concentra informações importantes de cada cliente: idade, deficiência, preferências de compras etc. Com essas informações e hora marcada, a empresa pode oferecer um atendimento personalizado e com um funcionário que foi treinado para atender aquele público. “Assim, auxiliamos os varejistas a serem amados pela sociedade e seus clientes, mostrando que estarão prontos para atendê-los adequadamente em todos os momentos de suas vidas”, defende Piris.

A tecnologia mudou tudo – e isso é ótimo!

O exemplo citado acima mostra que tudo mudou, até uma simples ida ao supermercado. E isso é ótimo. Além de ampliar as possibilidades de venda, ao adotar estratégias mais assertivas, empresas que usam a tecnologia têm a chave para um ambiente mais diverso e tolerante. Isso vale não apenas para grupos com necessidades específicas, como os portadores de deficiências e idosos. É um ganho para a diversidade como um todo: a tecnologia também possibilita um tratamento mais inclusivo para atender consumidores LGBTQI+ e a comunidade afrodescendente, só para citar mais dois exemplos. 

A tecnologia está aí para ser usada e quem souber usá-la para atingir realmente a todos vai fazer muita diferença. Não só no atendimento, mas também em termos de lucro e de reputação da marca

“Hoje você consegue encontrar em lojas onlines um setor apenas para roupas Queer [termo usado para identificar as minorias sexuais e de gênero]. A partir daí, esse consumidor passa a receber vários anúncios relativos a peças nesse estilo de roupa, tornando mais fácil a sua experiência de compra. O mesmo exemplo pode ser aplicado para a comunidade preta: no setor de cosméticos, você consegue encontrar produtos apenas para cabelos afro e, a partir disso, ser segmentado para encontrar apenas produtos para esse tipo de pele”, explica Rodrigo Garcia, diretor executivo da Petina Soluções em Negócios Digitais

Segundo ele, as ferramentas tecnológicas ajudaram varejistas a entender que as minorias também são parte do mercado de consumo, o que levou à criação de novos segmentos, em especial nos setores de moda e cosméticos. Essa diferença é vista principalmente no e-commerce e em marketplaces, mas também começa a chegar às lojas físicas, o que torna a experiência de compra mais agradável. “Assim, esses públicos se sentem mais à vontade para consumir, mais integrados à sociedade. Isso também resulta numa elevação da autoestima, da satisfação pessoal e da sensação de ter um maior poder de escolha”, completa.

TI, inclusão, diversidade
O professor da Universidade Positivo, Leandro Krug, cita exemplos de como a tecnologia pode (e deve) contribuir para o respeito à diversidade e sobre como esse uso das ferramentas tecnológicas vêm acompanhados de mais vendas

A tecnologia é um poder

“A tecnologia é poderosa e sua força pode ser usada para o bem e para o mal”, defende Leandro Krug, palestrante, consultor de franquias e varejo e professor de cursos de pós-graduação da Universidade Positivo. “A tecnologia possibilita maior customização e um atendimento dos desejos dos consumidores de forma segmentada, mas ela só cumprirá essa função se os cidadãos do país tomarem consciência de como a diversidade é importante”, reflete.

Para exemplificar, Krug cita uma experiência que ele mesmo vivenciou nas operações de quiosques de quadros e molduras em quatro shopping centers. Por meio da tecnologia, a empresa conseguiu compreender melhor a diversidade do seu público consumidor e, dessa forma, expôs com destaque, nos quiosques, quadros que mais bem correspondiam à demanda desse público diversificado. “Foi um sucesso. Conseguimos ver a felicidade das pessoas ao oferecer quadros de todos os tipos: sobre séries, fé e religião [em seus diversos credos], família, personagens históricos, times de futebol etc.”, conta ele.

A ação contribuiu para um faturamento superior a R$ 1,5 milhão; com um detalhe: isso aconteceu há alguns anos, quando as ferramentas disponíveis eram bem mais simples. “Atualmente, com mais opções de análise de dados, é possível fazer muito mais do que isso”, defende Krug.

Leandro Krug busca outro exemplo real para ampliar o debate. Ele cita o caso de uma loja de cosméticos de Nova York que disponibilizou um espelho digital para que seus clientes se maquiassem virtualmente, escolhendo entre diversos produtos e cores. “Foi interessante ver que não apenas mulheres, mas também homens testam os produtos, deixando a experiência mais lúdica, mais leve e diminuindo o ambiente de preconceito”, relata o especialista.

TI, inclusão, diversidade
Sócios no aplicativo Inclue, criado em 2019 e cuja finalidade é oferecer a varejistas serviços que os capacitem a atender pessoas com deficiência de forma personalizada, Sonny Pólito e Rodrigo Piris transformaram as próprias experiências de vida em inspiração para um negócio inovador

Socialmente responsável e lucrativo

O professor acredita que consumidores darão preferência a lojistas que ofereçam esse tipo de experiência e estarão dispostos até a pagar mais caro pelos produtos vendidos por essas empresas.“Além de favorecer a construção de um país melhor, esse acolhimento da diversidade ajuda nos lucros”, conclui, relatando que as grandes redes já estão mais avançadas nesse caminho, mas que pequenos e médios varejistas também começam a apostar na tecnologia como uma ferramenta importante para a era da diversidade. 

Sonny Pólito recorre à própria experiência para mostrar o potencial de ganho que a inclusão pode representar para os varejistas. “Cada pessoa com deficiência que é fidelizada leva de três a quatro pessoas junto com ela. Eu, como uma pessoa com deficiência visual, se uma marca me fideliza, vai fidelizar também minha esposa, minha filha, meu pai e minha mãe. Toda uma rede que está por trás de mim e que acaba fidelizada junto”. 

Uma pesquisa da PwC, feita nos Estados Unidos, confirma essa percepção: o levantamento mostrou que 86% dos entrevistados dão preferência para empresas que se importam com as mesmas questões que eles. “A tecnologia está aí para ser usada e quem souber usá-la para atingir realmente a todos vai fazer muita diferença. Não só no atendimento, mas também em lucro e reputação da marca”, conclui Sonny Pólito.

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