O CEO e fundador da Gruppen IT acredita na busca pelo ‘autoensinamento’ e afirma que o bom profissional da área não sobrevive em ambientes lentos ou improdutivos

“O gestor de TI não pode ficar esperando a diretoria da empresa solicitar algo. Mas a maioria é muito conservadora. Os caras têm medo de buscar a criatividade, de ousar”. A frase de Felipe Jacobs, CEO da Gruppen IT, deixa clara a sua visão do mercado de TI e sua pouca disposição em se conformar com os padrões e clichês do gênero.

Jacobs fundou a Gruppen IT, uma empresa gaúcha de tecnologia e segurança da informação, em 2005. A empresa cresceu rápido e adotou o foco no fornecimento de soluções sustentáveis de TI. Como a sustentabilidade passa por adotar práticas que se massificaram no cenário pandêmico, a empresa encarou uma realidade bem mais favorável nos últimos meses.

Hoje, temos muito mais recursos à disposição, mas a maioria das pessoas faz uma investigação muito rasa. Todo mundo é ‘wiki’, sabe só um pedacinho de cada coisa. Vejo isso em muitos profissionais jovens. Não é bom.

“Em 2017, já premiávamos o colaborador da Gruppen que fizesse mais visitas remotas que físicas”, conta Jacobs. “Nossos vendedores faziam até três interações presenciais por semana, hoje são 18 interações remotas por semana – sem ter que se deslocar, sem tomar ‘chá de cadeira’, sem perder um tempo que nunca teve necessidade de perder”.

Mas o leitor provavelmente se lembra que, até poucos meses atrás, essa mentalidade era tabu em muitas organizações, inclusive as de TI. Isso não impedia Jacobs de explicitar suas convicções. “Em 2018, fui dar uma palestra em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, a 300 km de Porto Alegre. Abri minha fala dizendo que eu não precisava estar ali: havia perdido quatro horas para ir até lá, de carro, gerando poluição, para falar por 45 minutos e depois gastar outras quatro horas na volta. Disse que era um absurdo que isso acontecesse justo em um evento de tecnologia. Bah, os caras ficaram bem bravos”, diverte-se ao lembrar.

“Aprender sozinho, investigar, a gente fica meio viciado nisso. A tecnologia te dá a chance de viver isso todo dia."
“Aprender sozinho, investigar, a gente fica meio viciado nisso. A tecnologia te dá a chance de viver isso todo dia.”

Essa é o tom que Felipe Jacobs imprime ao seu trabalho: orientado pelas premissas de buscar constantemente a autoaprendizagem, de não se acomodar, ser ético e levar a inovação a sério. Sua prática é coerente com seu discurso, como comprova sua trajetória — tanto a individual como a da empresa que fundou. Por isso, o time de curadoria da Comunidade ScanSource foi ouvir sua história, na estreia da série “Gente como a GenTI”.

Instrutor de si mesmo

Jacobs começou sua vida tecnológica em 1986 como programador de Cobol, sem ter feito um curso formal desta ou de qualquer outra linguagem até então. Tinha 17 anos e morava a uma quadra de um bureau de processamento de dados. Havia uma vaga de estágio, ele se candidatou e conseguiu o posto.

Na hora de seguir uma carreira universitária, ele escolheu duas graduações, ambas fora da área de Tecnologia. O contexto histórico explica a decisão: era uma época em que o mercado tecnológico ainda vivia a reserva de mercado, o que levava à defasagem de conhecimento e escassez de bons cursos superiores ou mesmo de formação. “Queria ser professor, mas logo percebi que não havia desafios, todos os dias eram iguais”, lembra. O universo de TI era o oposto e, por isso, ele nunca abandonou a área.

Aprender sozinho, investigar, a gente fica meio viciado nisso. A tecnologia te dá a chance de viver isso todo dia. Toda vez que tentei outras áreas, me senti pouco desafiado. Quem trabalha com tecnologia tem outra velocidade de raciocínio e fica incomodado quando se vê em um cenário lento, improdutivo ou vaidoso”.

Caráter vale muito. Por isso, criamos o programa Empresa Vitalícia na Gruppen. Selecionamos um talento e ele ganha cotas na empresa. 36 de nossos colaboradores estão há mais de 10 anos conosco e, destes, 15 estão há 20 anos.

Do início da carreira até o começo da Gruppen, Jacobs acumulou mais de 350 certificados de todos os grandes fabricantes do mercado. “Microsoft, Checkpoint, Dell, VMware e quem mais tu te lembrar: fiz testes para certificações de todos eles”, garante. Sempre estudando por conta própria.

“Aprendi sobre todos os produtos. O mesmo com idiomas estrangeiros. Era uma época sem Google, sem tutorial de Youtube, sem internet e com pouquíssimos bons livros em português. Só podia contar com os manuais que vinham com o mainframe”, conta.

No filme Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, de 2016), há uma cena que mostra a cientista matemática Dorothy Vaughan aprendendo Fortran por conta própria. Jacobs diz que essa cena o faz recordar do início de sua carreira, e defende que essa é uma característica indispensável ao profissional de TI.

“Nessa época, a gente gastava horas em pesquisa. Hoje, temos muito mais recursos à disposição, mas a maioria das pessoas faz uma investigação muito rasa. Todo mundo é ‘wiki’, sabe só um pedacinho de cada coisa. Vejo isso em muitos profissionais jovens. Não é nada bom”, opina.

O exemplo de Dorothy Vaughan

Senso comum? Não, obrigado

“Empresa não é feita para gerar dinheiro, e sim para criar um mundo melhor”, acredita Jacobs. Para ele, não é possível ser “sujeito ruim” e, ao mesmo tempo, um ótimo profissional. “Não separo essas coisas. Caráter vale muito. Por isso, criamos o programa Empresa Vitalícia na Gruppen. Selecionamos um talento e ele ganha cotas na empresa, de modo que tem emprego enquanto a companhia existir. 36 de nossos colaboradores estão há mais de 10 anos conosco e, destes, 15 estão há 20 anos juntos. É tudo uma questão de a gente sentir o mundo. O mercado precisa parar com isso de olhar para o cargo que tu tem, tem é que ver a farinha que tu carrega no saco, saber o que tu é capaz de fazer”, defende.

Até 2009, a Gruppen não empregava vendedores. Jacobs admite que teve dificuldade de criar a área comercial. “Nossa política era: ‘pede que a gente faz para ti’. Dava certo, mas quando fizemos parcerias com grandes players do mercado, tivemos que rever isso”. A partir daí, seu papel também mudou: afastou-se da área técnica e passou a buscar tecnologias. “Estudo o mercado, vejo o que vai ser aderente”, resume.

Sua avaliação sobre como a maior parte dos gestores corporativos de TI veem sua própria função é franca. “A maioria tem visão limitada do papel do líder e do poder da tecnologia. Poucos realmente a conhecem de fato, usam a fundo e estão dispostos a discutir a aplicabilidade das coisas. Em tecnologia, é preciso arriscar, mas muitos têm conhecimento limitado e temem perder o emprego. Inovação exige risco”, afirma.

Ou eu crio consciência da importância do trabalho e da liberdade com responsabilidade, ou eu fico maluco querendo controlar as pessoas.

Na visão dele, o líder precisa “conquistar seu lugar na mesa”, se impor. Jacobs acredita que a pandemia criou condições para isso. “Ela exigiu que tudo fosse mais rápido, prático, acessível e desafiador. O bicho pegou e quem não se mexeu quebrou ou vai quebrar. Todas as empresas entenderam que a gestão de TI não pode simplesmente se dedicar a manter o que já existe. Ela precisa se expor”.

Antigo anormal

A Gruppen está 100% em home office e não tem planos de voltar a um cenário de trabalho presencial. Já havia a cultura favorável a essa prática, estabelecida por Jacobs, mas outra medida foi tomada para garantir que a prática rendesse bons resultados: um curso de filosofia.

Como é que é? “Está todo mundo estudando Sócrates, Platão, Sêneca. Ou eu crio consciência da importância do trabalho e da liberdade com responsabilidade, ou eu fico maluco querendo controlar as pessoas. E esse controle não é bom. Por isso contratei esse curso. As pessoas têm um score para atingir, uma meta de produtividade, nada mais é subjetivo. Se o cara sabe a responsabilidade da entrega dele, não precisa ser controlado”, explica Jacobs.

Ele também proibiu os vendedores de visitarem clientes. “Não tem visita presencial: ou é remota ou é remota. O que a gente ganhou na pandemia tem que preservar”, diz. Sim, Felipe Jacobs acredita que a pandemia trouxe alguns benefícios. Tanto que ele não fica confortável com a expressão “novo normal”, já que, em sua percepção, o mundo pré-Covid-19 era bem desconfortável.

“A pandemia roubou o futuro. Até então, tudo era ‘o próximo’: o próximo trabalho, a próxima reunião, as próximas férias. Agora não tem mais isso. Esse é o aspecto disruptivo da pandemia. A gente é uma ampulheta e ela vira para baixo a partir do momento que tu nasceu. O tempo que tu gastou não volta, não vira crédito no fim da vida. Tem que estar no presente. Essa visão de que ‘tempo é dinheiro’ é bobagem. Não é. Tempo é vida”, afirma.