“O mais importante é saber onde você quer chegar”, diz Jeison Costa, atualmente, CIO do Grupo Corona, um dos maiores varejistas de moda do Chile. Ele garante que esse ensinamento vale para tudo na vida: para a carreira ou desafios pessoais; para os estudos ou para, literalmente, atravessar um deserto, a pé, em poucos dias

por Rafael Câmara

Ao cruzar a linha de chegada, Jeison Costa chorou. É que ele não tinha apenas acabado de superar, em uma hora e quinze minutos, os dez quilômetros da primeira corrida “oficial”  de sua vida. Havia superado também um longo período de sedentarismo e quilos a mais adquiridos numa rotina de trabalho que o afastou, provisoriamente, dos esportes que durante toda infância e adolescência o acompanharam. Havia suportado, antes da corrida, seis meses de treinamento e, claro, sacrifícios. Por isso, aquela uma hora e quinze minutos valiam muito mais do que se possa imaginar, valiam lágrimas. “Foi ali que o bichinho das corridas me picou”, diz ele. 

Formado em administração de empresas, com ênfase em análise de sistemas e longo currículo na área de tecnologia, Costa fez boa parte da carreira no Chile: ele trabalha há quatorze anos no país, onde já atuou em diversas empresas e projetos. Não bastasse isso, ele também se especializou em outra área: tornou-se ultramaratonista, capaz de encarar corridas de duzentos e cinquenta quilômetros, que, naturalmente, duram dias. “Se eu for capaz de resolver problemas, não perder a fé e tiver foco, então, vou chegar onde sonhei”, completa ele, que em 2012 se tornou o único brasileiro a correr nos quatro principais desertos do planeta no mesmo ano: Saara, norte da África; Gobi, na China; Atacama, no Chile, e também na Antártida.  

O ultramaratonista vê semelhanças entre o desenvolvimento profissional e a arte de cruzar desertos. “Esse esporte nos leva ao extremo da capacidade física, ao extremo mental, ao extremo espiritual, porque ninguém consegue fazer isso só com o corpo. O que permite que você complete essas distâncias gigantescas é a cabeça e a força do espírito. No fim das contas, essa é regra para a realização em todas as áreas da vida”, explica ele.

Mas, como em qualquer corrida, para entender como Jeison chegou aos desertos, é preciso antes saber como foram seus primeiros passos.

Hoje em dia, a área de tecnologia é o negócio. E está no centro do desenvolvimento de todas as áreas de uma empresa. O valor da tecnologia é incalculável, ainda mais nessa época de transformação digital. 

O começo da jornada de Jeison Costa 

Nascido no interior do Rio Grande do Sul, Jeison se acostumou, desde cedo, com uma vida nômade: no Brasil, ele viveu também em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. E, como tantos outros jovens, teve que começar a trabalhar logo. “Meu pai, que era metalúrgico, faleceu quando eu tinha dezesseis anos. E minha mãe, como professora, não tinha como pagar os meus estudos e os da minha irmã”, relembra. Na época estudante de um curso técnico em eletrônica, ele foi chamado para um programa de trainee da IBM. Foi o começo de uma carreira que envolveu muito trabalho durante o dia, noites de estudo e vários sacrifícios. 

“Quando comecei, a tecnologia ainda era algo futurista e as redes de computadores eram muito primárias. Meu trabalho era mais orientado à eletrônica: eu consertava impressoras de cheque e balança, e fazia isso em placa mãe mesmo, com mapa de circuito, osciloscópio, trocando circuito integrado, transistor…”, diz ele, que hoje está com 43 anos. 

A faculdade foi cursada por ele aos poucos, conforme surgiam as condições financeiras, e Jeison nunca perdeu a oportunidade de se especializar em tecnologia: fez certificações que poucos profissionais brasileiros possuíam naquela época. Com isso, resolveu mudar de área na graduação, e passou a cursar administração de empresas com ênfase em análise de sistemas. “Como eu já tinha um background técnico bem potente, preferi trocar meu curso para uma área que pudesse complementar os conhecimentos que eu já tinha”, explica. Deu certo. 

Ainda pela IBM, trabalhando num projeto de outsourcing, tendo uma multinacional como cliente, Jeison fez uma amizade que mudaria sua vida e se transformaria num convite para trabalhar como CTO de uma empresa de navios e contêineres em Valparaíso, no Chile. Foram cinco anos ali, época em que Jeison foi o responsável pelos principais projetos de transformação digital da companhia. 

Concluído o desafio, ele mudou de empresas, mas permaneceu no Chile, onde fincou raízes, se casou e viu a filha nascer. De lá pra cá, foi CIO da Casaideas, empresa de varejo, e atualmente é CIO Corporativo da Corona Retail y Negocios Financieros e CEO na Corona.cl e isso é só um resumo dessa década e meia no Chile, que teve também direito a um ano sabático, ao Caminho de Santiago de Compostela e a vivências profissionais em outros países, como China e Alemanha. Experiências, para usar uma palavra dele, “alucinantes”. E que abriram a cabeça desse gaúcho.

A transformação digital é como uma mesa que tem quatro pés. Se um desses pés não é robusto o suficiente, a mesa não cumpre sua função e pode até cair 

“Hoje em dia, a área de tecnologia é o negócio. E está no centro do desenvolvimento de todas as áreas de uma empresa. O valor da tecnologia é incalculável, ainda mais nessa época de transformação digital. A gente pode mudar a experiência de compra de um cliente com informações, conhecendo o que ele gosta e podendo chegar com um produto que realmente agregue valor ou que simplifique uma vida”, defende, lembrando que o Chile está mais avançado que o Brasil em várias áreas tecnológicas, inclusive no ecommerce. 

Ao falar sobre transformação digital, Jeison cita quatro bases fundamentais: a experiência do cliente, a plataforma tecnológica utilizada, as metodologias e a transformação na organização. Em sua visão, todas são igualmente importantes. “A transformação digital é como uma mesa que tem quatro pés. Se um desses pés não é robusto o suficiente, a mesa não cumpre sua função e pode até cair”, explica, defendendo que é fundamental que empresas tenham uma agenda tecnológica potente. 

Além de gerenciar projetos, a inovação e a transformação digital de diferentes empresas, Jeison, como todo mundo, teve que lidar com a pandemia. Só que no Chile isso envolveu um isolamento muito mais restritivo do que no Brasil. Só em 2020, foram sete meses em quarentena, período em que era preciso uma autorização da polícia para sair de casa e cada pessoa só tinha direito a duas por semana. 

Após a abertura, os casos da doença voltaram a subir, o que levou a um novo confinamento. Foi só recentemente que a vida começou a voltar ao normal no país e que as fronteiras foram abertas para estrangeiros. 

Se para alguns setores a pandemia proporcionou uma aceleração digital, para muitas companhias a crise sanitária foi o fim da linha. “Empresas que não tinham a área digital bem desenvolvida acabaram quebrando. O mundo físico está carecendo de digitalização, de que a experiência do cliente seja mais próxima da que ele tem no mundo online”, destaca ele, que chama atenção para o tamanho desse desafio.

O que permite que você complete essas distâncias gigantescas é a cabeça e a força do espírito. No fim das contas, essa é regra para a realização em todas as áreas da vida

Mas e as corridas? 

Embora garanta que sempre teve os esportes como parte da vida, Jeison — que chegou a jogar futebol nas categorias de base do Grêmio de Porto Alegre — explica que o amor pelas corridas surgiu justo num momento em que ele estava mais sedentário. A rotina de trabalho, a falta de tempo e de exercícios logo trouxeram problemas. “Eu estava tendo dificuldades até para subir escadas, pesava 112 quilos e a falta de energia já impactava na minha vida pessoal e profissional”, conta ele. 

A saída? Começar a correr. Mas, para que a motivação não fosse só a perda de peso, ele resolveu se inscrever numa corrida de 10 quilômetros. Foram seis meses de treinamento até a íntima e inesquecível conquista que se revelou em lágrimas. Depois da primeira corrida e da sequência de treinamentos, aos poucos, Jeison foi subindo o sarrafo: para 15, 20 e 42 quilômetros. O tempo também melhorou muito e, hoje, ele corre 10 quilômetros em trinta e cinco minutos. 

Tal desempenho impressiona, mas não surpreende quando se trata de um ultramaratonista. O gosto pelas corridas, despertado na prova de 10 quilômetros, levou-o a distâncias muito maiores. “Um dia conheci essas corridas de autossuficiência, feitas no deserto, em que você precisa levar tudo o que vai usar: comida, material obrigatório, tudo o que for necessário para seis dias de corrida, exceto água e barracas, que a organização fornece”. Desde então,  Jeison já encarou o desafio várias vezes, do Grand Canyon à Patagônia Chilena, e correu em todos os continentes do globo. 

Um desafio grande demais e possível só para atletas extraordinários? Nada disso. “Eu era uma pessoa normal. Era gordinho, trabalhava pra caramba, era cheio de problemas. Minha mãe tinha falecido, eu tinha terminado uma relação longa. Enfim, eu tinha problemas como qualquer pessoa. Só que quando a gente consegue ter clareza sobre qual o nosso objetivo, aí tudo fica mais fácil. Então por que a gente não coloca o foco e a energia onde realmente quer chegar?”

Uma pergunta que entrega, junto, um conselho que vale para a vida pessoal, para a carreira e para vencer desertos. 

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