Para o consultor, mais de 40 anos de mercado não são suficientes para pensar em parar; ao contrário, a meta é superar os 50 anos de carreira realizando entregas cada vez melhores e fazendo mentoria de jovens profissionais

E aí, campeão? Firme nos seus 70 anos?

Pois é, resolvi escrever essa carta pensando em você, o Edmilson que está quinze anos de hoje — vou te chamar de “Setentão” só para tirar uma onda. Agora na hora em que te escrevo essas linhas, eu já somo 41 anos de carteira assinada. Mesmo assim, tenho certeza que vou estar firme e forte aos 70. É só o mercado estar disponível. E, se não estiver, eu vou dar um jeito de mudar isso.

Começamos bem novinhos, lembra? O pequeno Edmilson, com seus 13, 14 anos, trabalhando de office-boy numa empresa em que existia a função de “preparador de dados” (basicamente, era preencher planilhas). Isso foi em 1981 — a seleção brasileira só era tricampeã, TV a cabo não existia por aqui, internet era coisa de ficção científica… Outra época.

Logo depois, foi a hora de virar digitador e, nos anos seguintes, operador, programador… A vida chamava para a TI, mas era uma época com poucos cursos de programação. Curso superior de computação? Era ainda mais raro. Por isso acabamos escolhendo cursar Matemática — só que aplicada à tecnologia, claro. Com o passar do tempo, veio a confirmação de que a TI “nos escolheu” e esse seria nosso caminho profissional. E, por isso, foi necessário buscar especialização em cursos como Análise de Sistemas e MBA em Tecnologia da Informação.  Até curso de Marketing em Vendas você fez, lembra?

‘Sair fazendo’ virou a regra, e poucos se dão conta que retrabalho custa muito caro. O ‘agile’ trouxe agilidade, mas trouxe caos e desgaste também. Lembre-se: parar, planejar e distribuir bem as tarefas faz a diferença.

Quem viveu essa época tem a tendência a romantizar as dificuldades. Quer dizer, a gente realmente precisava estudar muito. Quem não se debruçasse sobre os livros e não passasse horas estudando e praticando não avançava na profissão. Hoje em dia, muito programador trabalha na base de tentativa e erro: faz um programa meia-boca, processa e vê se deu erro. E ele pode fazer isso, claro, porque tem máquina à vontade para tanto. Antes não: você tinha que economizar até para compilar o programa!

Mas, pensando bem, acho que esse romantismo é mais saudosismo que reflexão. Hoje, as máquinas melhoraram muito, as linguagens avançaram (a ponto das mais obsoletas morrerem), os recursos se multiplicaram. E acho que aí, em 2035, isso deve estar ainda melhor, não?

Porém, esse período de formação tem algo que espero que você não tenha perdido de vista: o planejamento. Hoje em dia, vejo que as equipes novas fazem muito, mas se planejam mal. “Sair fazendo” virou a regra, e poucos se dão conta que retrabalho custa muito caro. O “agile” trouxe agilidade, mas trouxe caos e desgaste também. Lembre-se: parar, planejar e distribuir bem as tarefas faz a diferença.

A questão não tem a ver com fazer dinheiro, é muito mais profunda que isso. Parar de produzir é começar a morrer. O ser humano precisa criar, ser útil para si e para os outros.

E aproveitando que estou falando em lições, passei uns dias pensando aqui qual o futuro do profissional de TI. Meu futuro, você já sabe, é o seu presente. Então vou expor o que eu penso e você me diz se eu acertei, beleza?

Vejo dois pilares se formando no futuro. Um está nas próprias empresas, que precisam ter estabilidade, e, por isso, vão sempre se apoiar no que funciona. Não importa quão modernas sejam as ferramentas, as leis mudam mais lentamente, a contabilidade nunca muda radicalmente e a tecnologia sempre vai precisar apoiar essas áreas. 

Porém, isso não dispensa uma boa área de inovação. No meu presente, vejo o velho convivendo com o novo, e o novo, por sua vez, envelhecendo muito rápido. É um caos, de certa forma, e o papel do profissional de TI, no que eu entendo como futuro de curto a médio prazo, é o de administrar esse caos, e gerar as soluções para debelá-lo.

Porém, a longo prazo, imagino que a tecnologia vai engolir o programador. Não estou falando dessa coisa de a máquina se autoprogramar — isso é ficção científica hoje e deve continuar sendo por muito tempo. Mas, que as linguagens vão se sofisticar, não há dúvida. Por isso, o profissional de TI será ainda mais valorizado… desde que ele se valorize ainda mais. Ele vai ter que se sofisticar cada vez mais.

A tendência é a TI cuidar mais do negócio que da tecnologia. Essa mudança é inevitável, e para lidar com ela, o profissional precisa ser plural e vívido.

Você se sofisticou, Setentão? Imagino que sim. Ficar parado nunca foi a nossa, né? A questão não tem a ver com fazer dinheiro, é muito mais profunda que isso. Parar de produzir é começar a morrer. O ser humano precisa criar, ser útil para si e para os outros.

A mudança do papel da TI é inevitável. Nos anos 1980, eu era um técnico que fazia programas em COBOL de cabeça baixa. Porém, em algum ponto entre 1995 e 2000, criou-se a figura do analista de negócios, o cara que faz a interface entre o negócio e o programador-base. Essa mutação continua até hoje — devagarzinho, mas está ocorrendo. Hoje, quando avaliamos as funções do Product Owner (PO) dentro das práticas ágeis, vemos que ela é uma evolução desse primeiro momento. A tendência é a TI cuidar mais do negócio que da tecnologia. Essa mudança é inevitável, e para lidar com ela, o profissional precisa ser plural e vívido.

Espero que nesses 15 anos que nos separam, você tenha explorado essa pluralidade, porque é assim que a gente consegue contribuir bastante com a visão holística de sistema. Se você não tem alguém olhando para o todo em um projeto, a possibilidade de dar certo é muito pequena. Precisa sempre ter alguém com uma visão um pouco mais abrangente para poder ajudar a equipe a se nortear pelo caminho.

E espero que tenha vivido bastante, porque só assim você terá muito a ensinar. Esse Edmilson de 55 anos já foi mentor de muitos profissionais jovens e é algo que nunca podemos deixar de lado. Na verdade, tornar-se professor é uma coisa que está no meu horizonte e espero que você, Setentão, tenha cumprido esse plano. Porque é muito importante ajudar os mais jovens  a pensar no que fazem e se repensarem. 

E tenho certeza que, mesmo aos 70, ainda existe muito a aprender. Os jovens podem contribuir muito para isso. O mundo muda, as coisas evoluem, e você tem que aproveitar isso.Se apropriar mesmo do que vier de novo, ficando com o bom e descartando o que não for tão bom. Lembra de quando você mentorava trainees na Porto Seguro? Pois é, ali você começou a ver o que estava em transformação no mundo e pôde ir mudando você mesmo.

Quem não mudar não sobrevive, ainda mais hoje em dia. E vida longa é o que queremos, não é mesmo?

Grande abraço, meu querido.

 

Edmilson Pulice é é consultor e Partner da VLZM Tecnologia da Informação e Negócios, especialista em sistemas de cartão de crédito, e atua em projetos de inovação e meios de pagamento.


Leia mais:

Alessandra Faria e a transformação de vidas pela comunicação e pela tecnologia

Ricardo Bonon e a aversão ao caminho mais cômodo